sábado, 8 de fevereiro de 2025

Amor em Wi-fi

       

         Era madrugada, voltara de uma farra com os amigos. Fazia um frio de congelar pinguim quando deitei em minha cama sob o edredom. Sonhei que acordara numa grande festa, onde condicionadores de ar refrigeravam em demasia o ambiente. Os casais, finamente vestidos, rodopiavam em valsas completamente fora do ritmo, já que a banda tocava, em estrondosa altura, o rit  “saia de bicicletinha” da banda Aviões do forró.

Andei até o balcão ao fundo do imenso salão na tentativa de beber um conhaque ou mesmo um gole de cachaça para me aliviar do frio intenso. Então, apareceu do nada, um Senhor alto e nobre que carregava na mão um estandarte. Ele bateu, firme, três vezes a ponta do cabo do estandarte, de prata, no chão de mármore, interrompendo o festejo. Vinda do outro lado do salão uma voz feminina perguntou-lhe:

— Senhor! Encontrou o amor? Ele ainda existe?

Ele, secamente, respondeu: “Não. Não existe mais amor.”

Olhei o rosto dos casais mais próximos e pude notar, nitidamente, a decepção impressa em seus semblantes ante a triste notícia. 

— Ele completou: “Percorri o mundo, andei em terras, naveguei em mares, viajei por locais onde nem a luz do sol se atreveu a ir e só encontrei desilusão.”

Um véu cinza, formados por nuvem de microchips, inexplicavelmente, também  surgido do nada, preencheu o salão que antes fora multicolorido. Crianças, das mais diversas nacionalidades e raças, correram ao encontro do homem e prostraram-se a sua frente. Estavam aterrorizadas. Uma delas, engolindo as lágrimas, abraçou as pernas de uma jovem que estava próxima a ela e gritou:

— Mãe, você mentiu para mim, você disse que me amava!

Aos que ouviram o lamento da criança, em uma cena deprimente, choraram em convulsão. Outros, sem saber bem o que estava acontecendo, puseram as mãos na cabeça e saíram a perguntar por onde passavam “o que foi?”, “o que foi?...” 

Tons dissonantes soaram mais forte de sobre o palco. A banda, que agora tocava a marcha fúnebre numa pegada de lambada, fazia que as bailarinas perdessem o rebolado numa estranha coreografia.

Os corações palpitantes dos corpos dos casais, agora nus e desesperados, tentavam em vão se consolar através de mensagens cifradas. As paredes firmes do salão foram se liquefazendo e o piso, antes de mármore, tornou-se um emaranhado de fios e luzes. Todos os do local, desesperados, olharam as crianças se transformarem em máquinas frias, cujo uso, agora, tinha a função doméstica de preencher espaços e comemorar datas festivas. E quando o mesmo processo iniciou entre os adultos e seus braços e pernas se transformavam numa rede de finíssimas fibras ópticas, e os rostos se transmutaram para compor telas de cristal líquido,  o Senhor ergueu o estandarte e gritou: “Fria e eterna necessidade! Se cada um é suficiente a si, por que buscar o amor? Vocês se fizeram seu próprio carrasco.  Que agora paguem o preço!”

         Acordei assustado. Joguei fora meu Ipod pela janela e saia apressado para casa da namorada, e, sem mínima explicação, levei-a ao motel mais caro da cidade para pedi-la em casamento.

 

Santa Cruz Cabrália – Bahia -  agosto de 2012

 

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