Fui procurar um psiquiatra, era a primeira vez que eu aceitava uma sugestão tão vexatória... Ao chegar à sala de recepção impressionou-me o tom pastel da parede mostarda claro, a música ambiente e a calma inspirada pelo local. De cara percebi na parede réplica de um quadro de Diego Rivera e outra de Hieronymus Bosch, que me diziam, por dedução, que os psiquiatras eram PT. Os direitistas preferem os clássicos renascentistas ou barroco, de preferência Velázquez . Os radicais de esquerda dão preferência a Miró, Dali, Van Gogh e Picasso. Após deleitar-me com as obras de arte caminhei até a recepcionista que me perguntou se era minha primeira consulta. Respondi que sim. Ela digitou algo no notebook e Dr. Eugenio Lino apareceu na recepção para indicar-me sua colega, Dr. Nadia. Alegou ser melhor eu ser analisado por uma mulher. Coisa de Freud. Ótimo, pensei. Esta minha síndrome é coisa moderna e uma mulher poderá me entender melhor.
Entrei no consultório e sentei-me na poltrona de frente para bela recepcionista onde pude ver a cor da calcinha, cor-de-rosa, quando ela cruzou as pernas. A bela ruiva me ofereceu um café. Eu aceitei. Propus adoçante, caso fosse sem aspartame, e disse: “melhor ainda com leite”. Ela disse “tem”. Em seguida se levantou e entrou num compartimento separado por um biombo e retornou com o menorzinho numa bandeja em pires e xícara de porcelana branca. Peguei-o da bandeja e pude notar, quando ela se abaixou para me servir, um belo par de seios quase fugindo ao sutiã também cor-de-rosa. Perguntei ansioso se seria logo atendido, ela apontou para um pequeno lustre, preso ao lado de uma das portas, aceso em vermelho. Depois me disse: “quando ficar verde o senhor poderá entrar”. Não conseguia parar de olhar para recepcionista que, após levar de volta a bandeja, sentou-se e continuou digitando algo em seu aparelho. Tentei puxar assunto e perguntei a ela o nome. Ela respondeu “Ângela” sem retirar os olhos do livro eletrônico. Bebi o café lentamente mirando ora as belas pernas de Ângela, ora a luz insistentemente vermelha. Após beber o café, para não incomodá-la, levantei e levei os utensílios para trás do biombo colocando-os sobre a bandeja. Quando retornava a poltrona à luz miraculosamente esverdeou e abrindo a maçaneta entrei.
Na sala uma mulata, deslumbrante, sentada numa poltrona de encosto alto apontou o divã, branco, e disse: “sente-se e relaxe”. Sentei-me como se sentasse numa cadeira. Ela perguntou se eu não queria me deitar eu respondi não. Ela não insistiu. Com uma voz suave perguntou qual meu desconforto. Disse: doutora, eu não consigo parar de curtir. Ela olhou-me meio sem entender a frase e perguntou. Como assim. Eu repeti. Não consigo parar de curtir, estou curtindo até foto de bolo. Ela ainda sem entender me sugeriu: “vamos por partes”. Desde quando o senhor curte.
Respirei fundo e resolvi deitar no divã. Fechei os olhos, e disse: Tudo culpa de Guiga. Sim. Culpa de Guiga. Ela intercedeu. “Quem é Guiga?”, Respondi: é meu irmão. E expliquei: Eu vivia bem até Guiga me presentear com um microcomputador e me fazer criar um perfil no Facebook.
Sim. Disse ela, curiosa: “continue”. Eu continuei. De início, doutora, eu só curtia postagens de relevância, postagens que me tocavam na profundeza da alma. Coisas como uma pintura de Dali, uma música do Djavan, às vezes, quase a contra gosto, curtia uma foto com dizeres de autoajuda. Mas, aos poucos, fui cedendo à tentação e iniciei a cutucar de volta quem me cutucava. Fui aderindo os amigos que me solicitavam, e comecei a compartilhar também. Não demorou e eu me metia nos mais diferentes assuntos. Comecei a comentar, indiscriminadamente, sobre qualquer tema. Cheguei ao cúmulo de não acreditar que a direita golpista usara o mensalão, não como um artifício político-eleitoral, e sim, que fora usado como uma conspiração para volta da ditadura militar no Brasil e que eles queriam dar um golpe de estado para derrubar o PT...
“Calma, Sr. Ricardo.” Ponderou a doutora. Balançando, involuntária e insistentemente a perna e repetindo estou calmo, estou calmo... eu conclui... mas isso não é o pior, doutora. Hoje me peguei desejando parabéns para o aniversário de uma confeitaria, e, no sábado passado, atendendo apelo insistente de meu filho fomos à praia. Lá, por um desses inexplicável mistério da vida, fui cantado por uma deslumbrante jovem. Só que, ao invés de sair com ela ou pedir o telefone perguntei se ela me aderiria no facebook.
A doutora, sem pestanejar, perguntou-me: “posso acessar sua página?” Imaginando que ela me analisaria, dei meus dados do facebook e descobri que ela também era minha amiga virtual.
Ela veio até onde eu estava deitado, olhou-me nervosa, me segurou pelos cabelos e batendo violentamente minha cabeça contra o divã gritou: VOCÊ CURTE QUALQUER PORCARIA, SÓ AS MINHAS POSTAGENS VOCÊ NÃO CURTE... POR QUE VOCÊ SE NEGA A CURTIR MINHAS POSTAGENS... POR QUÊ?!...





