Uma Paixão
Proibida.
Novela
Prólogo
Repleta de contentamento, Beatriz retornou da
escola antes do horário habitual. Recebera a notícia que passara direto do
primeiro para o segundo grau. Desnecessário, sequer, submeter-se às provas
finais. Conquista que antecipava e acrescia mês às férias escolares.
Inebriada nesse espírito gozoso, a menina que era
amiga das bonecas, dos bichos de pelúcia e dos anjos que povoavam lençóis e
sonhos, esperava surpreender a mãe com a maravilhosa notícia.
Ao chegar ao apartamento onde morava, com o
cuidado de quem não quer ser percebida, Beatriz entrou de mansinho, fez ponta
de bailarina e fechou a porta silenciosamente. Avançou, devagar, até perceber a
voz materna vindo da área de serviço. Colocou a mochila felpuda e no formato de
urso de pelúcia sobre o sofá, e, cuidadosamente, continuou andando nas pontas
dos pés até a cozinha. — Cômodo que dava acesso ao local onde as sextas-feiras,
Poliana, sua mãe, se sujeitava as massagens de Magali. — vizinha, amiga e fisioterapeuta.
Na
cozinha, em silêncio e sem ter sido percebida, Beatriz notou que a mãe
fofocava. Curiosa, ela se escondeu sob a mesa de fórmica e, dali, aquietou-se
para ouvir a conversa. De onde estava avistava a mãe deitada de bruços sobre a
mesa de massagem com uma toalha branca, de rosto, cobrindo-a nas partes intimas
e, ao lado, Magali esfregava nas costas de sua mãe um óleo de odor ativo.
Beatriz sentiu forte vontade de espirrar, inspirou para, franziu a testa, mas
se conteve tapando as narinas para suprimir a ânsia do espirro provocado pelo
cheiro de cânfora exalado do unguento. Beatriz esperava o momento certo para
dar um salto e surpreendê-las. Queria dividir com a mãe sua alegria e pensou: “por
que não fazê-lo na presença de Magali?” Porém, ao ouvir o nome do pai, a forte
curiosidade a levou a esperar. Queria
ouvir o que sua mãe e a amiga tanto conversavam:
— Ele era um machão ciumento e piegas, querida. —
Contava, com desdém, Poliana a Magali. — Onofre era um verdadeiro otário. De
bom nele só a grana.
— Todos os homens são iguais, amiga... — Afirmou a
massagista enquanto esfregava as ervas em Poliana e completou, — Meu Zé também
é um pedante. Futuca em meu celular, mexe em minha bolsa, até cheirar as minhas
calcinhas ele cheira. É ridículo... Vive suspeitando de todos e de tudo, ainda
assim, eu apronto e ele nada descobre... E olhe, amiga. Faço na cara! Zé já me
levou ao encontro com um dos meus amantes sem sequer perceber... Essa eu vou
ter que te contar. Certa vez... Você se lembra do Carlos, amiga? — Ao tempo que
tagarelava, Magali continuava a massagear Poliana e de acordo com o rumo da
prosa, ela aumentava ou reduzia a força ao estorcegá-la.
— Carlos, o dentista? Ele já me tratou de um
canal, não lembra?
Ao lembrar o aludido, Poliana foi beliscada com
maior ímpeto e reclamou:
— Ai!, Magali, mais devagar, querida... Assim você
me machuca!
—
Desculpe-me! — disse Magali sentindo-se enciumada, e continuou a narrativa:
— Sim! É
ele mesmo... Deixe-me contar, fofa!
Eu tinha um encontro com Carlos... Então, disse ao Zé que iria ao dentista... E
falei a verdade. Já que meu encontro seria com Carlos... — Poliana deu sorriso sardônico
de incrédula, mas continuou a ouvi-la fingindo acreditar. — Aí, Zé, por ser muito desconfiado, fez questão de
me levar até o consultório. Tudo bem, Zezinho, vamos, eu disse... Amiga! O
chifrudo me esperou por uma hora. Eu furdunçando com Carlos no consultório e Zé
sentadinho na recepção. Ficou me esperando, quietinho, lendo revista VEJA.
Depois eu soube que o corno tinha jogado o maior charme para a atendente... Os
homens não prestam! Não é amiga?
— Ah! Minha linda... Com Onofre eu fiz pior. —
Poliana sentira um quê de soberba no relato amoroso de Magali e como não
aceitaria, em hipótese alguma, sentir-se inferiorizada perante ela, mesmo não
acreditando na história da amiga, replicou:
— Na nossa lua de mel, antes de partirmos para
Paris... Ui!... devagar, Magali... assim dói ... — Reclamou novamente Poliana
com Magali e continuou a história — Resolvemos conhecer Salvador, na Bahia.
Logo na primeira noite, fomos à famosa Bênção
do Pelô. É uma festa maravilhosa! Lá, Onofre, querendo se amostrar,
inventou de beber várias doses de Gabriela... Querida! Garbriela é um drinque, é gostoso, mas é forte, uma bomba! Já
experimentou? — Magali acena negativamente com a cabeça e Poliana continua o
relato. — É feita de cravo, canela, mel e cachaça... nitroglicerina pura! E pra
piorar, quando retornamos ao hotel, Onofre me arrastou direto para o bar e
bebeu mais três doses de uísque. Só não me zanguei na hora porque havia um
pianista lindo me jogando o maior charme... Depois, quando chegamos ao quarto, “trêbado”, Onofre foi se banhar e
vomitou o banheiro todo... Agora, querida... Coloque-se em meu lugar. Eu cheia
de tesão e o babaca se joga na cama e em minutos roncava feito um porco. Dormiu
nu! Molhado, e com aquela bunda branca virada pra cima. Só escovou os dentes
antes de ir dormir porque eu o obriguei... Ah!, lindinha... Como dizem os
baianos: fiquei fula da vida.
Vesti um pijama nele. Chamei o serviço de quarto para limpar a porcaria, me banhei
e voltei ao bar do hotel. Ao chegar lá, só restavam o barman e o pianista. O
cara que eu lhe falei. Já era hora de fecharem, mas, elegantemente, eles me
deixaram entrar para beber uma saideira.
Bebi quatro doses de gim-tônica ouvindo belas canções e, para agradecer à
gentileza transamos, os três, atrás do balcão. O barman era meio gordinho,
baixinho, com o troço do tipo curto e grosso. Ele foi mais competente que o
pianista, um mulato alto, bonitão, bem dotado... mas do estilo botou gozou, você sabe, né?... Depois de me refestelar com os nativos voltei ao quarto,
tomei outro banho e fui dormir. Me sentia saciada. No outro dia, Onofre me
procurou com aquele tesão de mijo, aquela boca de vômito... Ih!, amiga. Um
nojo!... Fechei a cara e ele só foi me comer em Paris. E mesmo assim quando
minha menstruação já havia atrasado. E o babaca até hoje acredita ser o pai de
Beatriz... Pobre coitado...
—
E Beatriz... Ela sabe? — Perguntou Magali assombrada.
—
Pra quê? Querida. Pai é quem paga as contas. E, além disso, Beatriz venera
Onofre. Deixe como está que está bom...
Ao
ouvir da mãe a confissão cínica do adultério, Beatriz ficou em choque. Os olhos
se encheram de lágrimas. A boca secou. O corpo tremeu. Beatriz foi tomada por
uma terrível angústia. Era algo entre o ódio e o nojo. Como não havia sido
notada na cozinha, ela saiu de fininho, voltou à sala, apanhou a mochila e
buscou seu quarto. No quarto, pegou o travesseiro, abraçou-o fortemente e se
atirou na cama para refrear pensamentos desesperadores. Seu mundinho perfeito
desmoronara.
Horas depois, acalmada a tormenta mental, uma
decisão havia sido tomada. Ela fingiria continuar ignorando o assunto.
Continuaria a amar Onofre da mesma forma e na mesma intensidade. Vale lembrar
que não era gratuito o amor de Beatriz por seu pai. Onofre a mimava desde
criança e atendia, de bom grado, a todas as vontades da filha, mesmo as mais
extravagantes. — Por quê? — pensara Beatriz — deveria se despertar para maiores
curiosidades sobre um suposto pai biológico? Com isso em mente ela procurou esquecer
o assunto. Por outro lado, frente à mãe, Beatriz passou a se mostrar arredia. A
imagem de perfeição da mãe ruíra. Os conselhos moralistas e virginais firmados
maternalmente desde a infância caíram em descrédito e perderam o valor.
Para vingar-se, Beatriz omitiu ter passado de ano
e nos dias seguintes, como sempre fazia,
uniformizava-se, apanhava a mochila felpuda e saia. Saia como se fosse à
escola. Ao invés disso, Beatriz passou a se aventurar por locais antes
evitados. Dessas aventuras surgiram novos amigos, novas festas, novos hábitos
que terminaram por levá-la a viver uma vida leviana. E assim, aos poucos,
Beatriz matara no coração definitivamente seus anjos, suas bonecas, seus sonhos
e sua inocência cor-de-rosa.
Pequeno adendo
Cabe-me explicar aos
leitores(as), que a conversa entre Poliana e Magali pode estar vinculada ao
fenômeno de que se propagar como moralmente liberal —
antagônico aos costumes de nossas avós, — hoje envaidece as mulheres modernas ao invés de constrangê-las. Esta
nova feição feminina que anteriormente era prerrogativa exclusiva de mentirosos
machões para conversas em mesa de bar,
estende-se hoje aos dois sexos. Portanto: o diálogo escutado entre Poliana e
Magali descoberto por Beatriz pode ser
puro embuste.
Capítulo 2
O reencontro
A convivência entre mãe e filha se tornara
conflituosa. Beatriz mudara acintosamente. A adolescente passou a dormir demais,
a vestia-se com desleixo, se alimentava mal, por vezes dormia fora de casa e se
negava terminantemente a dar satisfações. Resumindo: Beatriz se transformara
numa adolescente problema. A mudança repentina no comportamento da filha para
Poliana era inexplicável. Acreditando ser saudade do pai e não vendo outra
solução, Poliana antecipar-lhe-ia a viagem de férias.
— Você vai ficar com seu pai. Eu não a entendo,
minha filha! Sempre fomos amigas e de repente você mudou da água pro o vinho...
Seu pai precisa dar jeito em você. Você enlouqueceu! — Disse, assim, a mãe,
antes de telefonar ao ex-marido e exigir a passagem aérea.
Apesar das queixas transmitidas pelo telefone,
Onofre não notou nenhuma mudança negativa no comportamento da filha. Pelo
contrário, ela nunca fora tão carinhosa com ele quanto estava sendo. E a única
extravagância pedida fora um passeio para uma ilha paradisíaca e ecologicamente
preservada que ela vira na escola numa aula de ciências.
Com os compromissos postos em dia, Onofre, para
satisfazer Beatriz, se deu ferias, se capitalizou e planejou a viagem ao lado e
ao gosto da filha. Ele preferiria uma viagem náutica, mas Beatriz foi
irredutível: queria porque queria viajar de helicóptero. Então, elaboraram
escalas, reservaram quartos em hotéis e compraram os acessórios necessários para
a viagem. — Onofre ordenara no hangar uma revisão completa em sua aeronave.
Dispensaria o piloto. Pois resolvera que ele mesmo pilotaria o aparelho e,
deste modo, mostraria à filha esta sua mais recente faceta. — Quando prontos,
partiram como planejado.
No dia
da viagem, acordaram durante a madrugada, alimentaram-se e em seguida foram
direto ao aeroporto. Tinham pressa de embarcar na aeronave e rumar para a tal
ilha.
Viajaram beirando o litoral. Paravam de quando em
quando, como planejado, para reabastecer a aeronave e conhecerem as cidades.
Queriam descobrir novas culturas, experimentar outras culinárias, e assim foi
até que finalmente chegaram ao município de Santa Cruz Cabrália, no extremo sul
do Estado da Bahia.
Apesar de
todo o atrativo turístico do local, eles preferiram descansar. Dormiram cedo,
cedo acordaram e cedo partiram mar adentro em busca da ilha.
O desastre
O dia
estava belíssimo, ensolarado, céu de brigadeiro naquele início de dezembro. O
helicóptero voava baixo sobre ondas de um oceano azul ponteado por reflexos
prateados. Relaxados, pai e filha se divertiam durante o vôo e negligenciavam
as orientações de segurança. Ao se aproximarem da ilha, Onofre, acatando
capricho insistente de Beatriz, baixou ainda mais a aeronave e guinou para direita,
sendo, por instantes, ofuscado pelo reflexo do brilho solar estando em uma
altitude extremamente perigosa. A manobra resultou de uma onda maior
atingi-los, levando o helicóptero a rodopiar até se bater lateralmente e rolar
na superfície do mar.
A queda foi aterrorizante. A hélice maior
golpeava a água salgada violentamente enquanto a hélice do estabilizador fazia
o aparelho girar em torno do próprio eixo afundando-o rapidamente. Onofre
conseguiu se desvencilhar e a Beatriz dos cintos de segurança e, segurando-a
pelos longos cabelos, puxou-a até a superfície. Atabalhoado, nadou fugindo do
aparelho já submerso. Temia uma explosão que terminaria por não ocorrer. Nadou,
nadou e nadou trazendo a filha, desacordada, sobre os ombros. Exausto, pensou
em largá-la, se não o fez foi por força do grande amor nutrido pela jovem filha.
O trajeto do desastre até a praia da bela ilha
não distava 500 metros, no entanto, a
maré de vazante, as ondas repetidamente estouradas sobre ele e mais o peso da
filha carregado nas costas o exauria. Por sorte, quando já pretendia se
entregar à morte, sentiu o sapato tocar num arrecife e, no último de suas
reservas, carregou a filha semimorta
andando sobre o coral submerso até a areia e de lá para sombra de um coqueiro
as margens da capoeira.
Beatriz parecia morta. Aplicando respiração boca a
boca e a massageando no plexo, Onofre tentava desesperado mantê-la viva, porém,
só após vê-la tossir e espirrar água dos pulmões que ele reacendeu esperanças. Lágrimas escorreram dos
seus olhos, enquanto, mentalmente, agradecia ao milagre alcançado. Após algum
tempo, Onofre puxou a filha revivida e chorosa para junto do peito e a abraçou
vigorosamente buscando acalmá-la. E assim, aos poucos, a jovem se recobrou.
Demasiadamente cansados, eles se deitaram, lado a
lado, na areia morna da praia, e adormeceram.
Adendo
Para uma melhor
compreensão dos leitores no porvir da história e no desenrolar da trama,
cabe-me dar conhecimento de pequeno resumo sobre a vida pregressa dos envolvidos
para melhor compreensão da psique das personagens.
A mãe de Onofre.
Filha de militar e criada na severa disciplina
paterna, Angélica Fialho de Sousa,
casar-se-ia ainda adolescente, era belíssima, aos dezesseis anos. Mesmo
antes do casamento, Angélica, era pouco mais que uma escrava. Era um bibelô a
ser mostrada em festas e um objeto puramente dileto para deleite do noivo no
voluptuoso prazer sexual. Sem profundidade de espírito, sem interesses
próprios, sem maiores anseios, casara-se na esperança de liberdade. Tal escolha
resultaria em incomensurável frustração. Sufocada pelo amante, engravidou de
Manoel Filho, gerando Onofre, único filho que teria ainda no noivado. Com o
avançar da gravidez casou-se, mas o marido pouco daria importância à família.
Preferia viajar pelo mundo sozinho, sendo, por vezes, manchete de magazines
internacionais graças à personalidade boêmia e das inúmeras amantes. Incapaz de
buscar a separação, — avessa ao rótulo de desquitada, — Angélica resignar-se-ia
à religião, onde, tornar-se-ia alvo fácil de religiosos inescrupulosos que dos
fiéis só se interessam pelos dízimos. O casamento durou dez anos, dada à morte
repentina do marido, Manoel, em um desastre aéreo. Com o óbito do esposo,
Angélica se viu repentinamente viúva e na obrigação de criar o único filho.
Despreparada, resolveu, naquele momento, retornar à casa dos pais e se
conformar com uma vida de família pequeno-burguês.
O pai de Onofre.
Dr. Manoel Jacinto de Sousa Filho, o pai de
Onofre, era um abastado herdeiro e dono de indústria multinacional. Famoso
boêmio, amante de estrelas de cinema e socialites européias, morreria vítima de
acidente aéreo ainda jovem, aos 35 anos, deixando, na Europa, uma filha, Ana
Virginia, resultado de um romance extraconjugal com uma renomada atriz
italiana. Filho único, assumira os negócios do pai aos 25 anos — O avô de
Onofre, Manoel (pai), fora um desbravador e pioneiro da extração de borracha
que enriquecera durante a segunda grande guerra se utilizando mão de obra
escrava. Morreu aos 58 anos em decorrência de debilitação por malarias. — A mãe
de Manoel Filho, avó de Onofre, era uma pessoa de personalidade forte. Criou
Manoel como um lorde, porém, mesmo sendo rígida em suas convicções, não
conseguia limitar os arroubos boêmio-sexuais-financeiros dele. A matriarca
assumiu o controle das empresas quando da morte de Manoel. Ela fora
ilutavelmente contra o casamento de Onofre com Angélica, e por isso, pouco se
aproximava do neto, porém, enviava, mensalmente, uma polpuda pensão para ele.
Pensão que a nora, Angélica, repartia com a família, ficando sua parte, quase
sempre, para ser usufruída pelos pastores da igreja da qual era devota.
Onofre e família
Após a morte do pai, Onofre se vê reprimido pelo
avô materno, Coronel Alcebíades, com sua rigorosa disciplina militar. Onofre
cresce apartado dos garotos de sua idade até os quatorze anos e,
posteriormente, é enviado a contra gosto para um internato. Retornaria ao lar
aos dezoito anos abarrotado de ideais de honra, nacionalismo e ética. É quando
ingressa na Faculdade de Administração e Comercio Exterior. Onde conhece e se
apaixona por Poliana, filha de pai jornalista e mãe artista plástica. Criada
dentro da nova doutrina feminista, amante da vida vivida e da liberdade,
Poliana vê na inocência de Onofre uma escada para sua ascensão social. Um ano
mais velha que ele, engravida propositadamente, forçando-o ao casamento. Dá à
luz a Beatriz sete meses depois de casada. Separa-se após oito anos de convívio
conflituoso. Mais tarde, após formar-se com louvor, Onofre assume o lugar da
avó paterna no controle acionário das empresas da família. Logo após a
separação, ao invés de seguir os moldes paternos (boêmia), desgosta-se de relacionamentos
passionais e se enfurna no trabalho. Muda a matriz da "Jacinto & Souza
S.A" para São Paulo, onde vive solitário tendo como único interesse às
empresas do holding.
(Acredito ter informado parte dos fatos
relevantes que geraram a psique das nossas personagens, no entanto, com o
decorrer dos relatos, mais informações serão complementadas.)
Na ilha 1
Anoitecia quando Beatriz despertou. Sentia uma
leve brisa fria e dores por todo o corpo. Olhou em volta a natureza grávida de
angelins rosados e amarelos, umbuzeiros, mangabas, nicuris, um cajueiro baixo
carregado de brotos e mais alguns coqueiros que margeavam a beira da capoeira-
grossa. Na beira mar, as ondas quebravam em seqüência levando espumas brancas a
deslizarem acentuando os marrons suaves, pouco mais que beges, da areia
finíssima e compacta na beira-mar. Acima, o céu ganhava matizes cobalto e
pequenas nuvens justapostas, como um rebanho de carneiros, refletiam nuanças
carmim. Um pouco mais além, quase a perder de vista, observou outro coral maior
que o transpassado por ela no colo salvador do pai, então, sentou-se dobrando e
abraçando os joelhos. Ao lado o pai
dormia. Beatriz fitou-o em cada detalhe, assim como uma mãe que busca num
recém-nascido suas semelhanças. E por notá-lo tão minuciosamente, sentiu uma
estranha sensação. Talvez, por não o ver mais como seu genitor biológico,
percebia-o com menos pudores na máscula beleza física. — Onofre era alto e de
corpo viril, mas sem exageros na musculatura ou na altura, seus cabelos eram louros e lisos. O
semblante, de pele clara e sem marcas, lembrava a Beatriz uma escultura de
Hercules, que ela vira exposta na Itália, nas férias do ano anterior. Os olhos
eram calmos e azuis, o nariz e os lábios finos davam ao rosto um equilíbrio
harmônico. — A camisa de manga curta semi-aberta deixava amostra o tórax com
poucos pelos, alourados, que escorriam em fila descendo até o cós da calça
jeans.
Aos poucos, na beira da mata atlântica, surgiram
vaga-lumes enamorados, anunciando a escuridão vindoura, então, por pura
apreensão, Beatriz resolveu acordar o pai.
Onofre, alquebrado, olhou para os lados e intuiu
que eles não deveriam ficar ali parados. Levantou-se, abraçou Beatriz, beijou-a
na testa e puxou-a em direção sul em busca de um local seguro para atravessarem
a noite. A direção escolhida fora puramente intuitiva.
A ansiedade por segurança os impediu de
observarem às belezas naturais que os circundavam. A lua cheia se mostrava qual
uma calota de ouro puro ao surgir no horizonte. Estrelas, as mais atrevidas,
brilhavam antes do total escurecer. Piscavam como um alguém que pede: olhe-me
cintilando. Porém, não foram percebidas.
Ao caminharem, Beatriz se libertou do abraço de
Onofre e passou a segui-lo saltitando sobre as pegadas impressas na areia,
brincava como brincam crianças de amarelinha, enquanto à noite ganhava tons
negros e a lua, se distanciava, embranquecendo ao cortar o céu qual um farol a
clareá-los.
Após longa e cansativa caminhada, eles
encontraram um pequeno barraco onde entraram. Onofre sentou-se, agradecido à
sorte, encostando-se na parede e Beatriz se sentou ao lado.
O casebre não ultrapassava de área os nove metros
quadrados e fora confeccionado de pau-a-pique com paredes sopapeadas de barro.
O piso, de igual modo, era feito de barro batido e coberto com esteiras de
fibras de coqueiro entrelaçadas. A porta e a janela haviam sido armadas com
ripas toscas e ficavam viradas para o norte, dando de frente para um riacho de
água doce que desaguava no extremo direito de um coral. O teto era montado
sobre grades de madeiras, equivalentes
as das portas e janelas, com pouquíssima inclinação e forrado com folhas,
assimétricas, de coqueiro e bananeiras, amarrados por cipós finos, permitindo a
entrada de pontos luminosos do luar. Não existia, para desconsolo dos
náufragos, um móvel sequer na cabana. No entanto, encostada a parede, via-se,
sob o reflexo da lua, uma tarrafa, duas varas de pesca com molinetes, uma caixa
plástica que continha carretéis de náilons e anzóis de diversos tamanhos junto
a um coldre de couro preso por um facão de tamanho médio, um tanto enferrujado,
encravado na parede.
Onofre continuava a sentir dores. Beatriz também
não ficara ilesa. A ingestão de água salgada e areia ocasionaram-lhe pirose.
Doía-lhe também a nuca, resultado da pancada que levara quando da queda do
helicóptero.
Dentro da cabana, entre as dores e o medo,
conversaram:
—
Essa foi por pouco, pai. E agora, o que vamos fazer?
—
Dormir... Amanhã, descansados, resolveremos.
—
Não vou conseguir consegui dormir... meu estômago queima, minha cabeça dói...
—
Eu sei, filha. Também estou todo dolorido e não é pra menos. Tente relaxar.
Pense em algo agradável para minimizar a dor.
—
Pensar em que, pai? Estamos presos aqui. Essa foi mais uma idéia estúpida que
tive. Odeio-me por isso...
—
Não foi sua culpa. Não foi culpa de ninguém.
—
E agora, pai?
—
Amanhã, tenho certeza, virão nos procurar. Quando eu não retornar eles virão.
Desviei-me um pouco do curso traçado, mas sei que nos acharão. Esta cabana
prova que a ilha é habitada, apenas descanse, filha... Amanhã...
—
Sei, pai... amanhã resolveremos.
Ainda sentados, Onofre se estendeu para abraçá-la.
Beatriz jogou o cabelo longo para o lado oposto a Onofre e, inclinando-se,
deitou-se encostando o rosto no ombro do pai. Foi abraçada. Sem ter o que
falar, Beatriz pediu que o pai lhe contasse uma história.
—
Uma história, filha? Tipo Branca de Neve e os sete nanicos. — Onofre brincou
para aliviar possíveis medos.
—
Anões, pai? — Corrigiu Beatriz.
—
Nanicos, anões, dá tudo no mesmo... — Onofre riu e gemeu baixinho no reflexo
dolorido do riso.
—
Sério, pai. Conte-me uma história.
—
Minha mãe sabia algumas histórias. Todas, com fundo moral, normalmente baseado
em contos Bíblicos. Tinha uma, de uma mulher belíssima... Não! Mamãe não falava
belíssima... falava formosíssima... Uma moça formosíssima de nome Susana que se
casou com um homem de bem, mas de poucas posses... era assim que ela,
circunspeta, contava-me...
— Então, Pai. Conte-me, — Beatriz insistiu.
— Era uma vez uma mulher de nome Susana, que era
casada com um humilde vendedor de verduras. Susana havia sido criada na
obediência às leis de Deus. Certa feita, na pequena cidade onde morava, chegou
um homem muito importante. Se eu não me engano, era um juiz. O juiz se encantou
por Susana. E, uma vez seduzido pela beleza da formosíssima mulher,
apaixonou-se perdidamente. O tal juiz passou a
viver atrás da moça e ofertava caros e raros presentes a ela. Mas Susana
sempre se recusava a recebê-los. Porém, uma vez, ela foi ao lago para
banhar-se. Estava sozinha, havia dispensado a companhia das amigas. Ao chegar à
margem do lago, ela pôs as roupas estendidas num arbusto. Nisso, o juiz que a
seguia, vira-a indo ao lago, então, esperou que ela fosse se banhar e escondeu
as roupas que ela havia deixado no arbusto, depois, ele foi até ela e propôs
fornicar. Ela se recusou, ele, então, aproveitando-se da situação disse:
"— Ou você cede seus favores aqui onde ninguém nos vê ou direi a teu
marido que você estava fornicando com outro homem. Tenho certeza que quando
desfilares impudica pelas ruas, em mim, todos crerão". Aí, Susana
respondeu: "— Se eu fizer o que Sua Excelência me pede, sairei livre em
carne, no entanto, Deus que tudo vê, saberá de meu pecado. Porque não o farei,
mesmo que meu sangue jorre das mãos de meu amado marido, estarei inocente. Se
vier a perder minha vida salvarei minha alma, e meu marido será isento de culpa
por crer cegamente na injúria e salvará também a dele, pois o castigo desse
pecado, decidido por Deus, é a morte. Mas você insensato, responderá ao
Todo-Poderoso. Senhor de tudo e da verdade".
—
Pai, o que é fornicar? — Interrompeu Beatriz.
—
Fazer sexo, copular... Deixe-me continuar que você vai entender. Como Susana
recusou-se a aceitar a chantagem, o juiz levou as roupas ao marido dela e
disse: "— Vi sua mulher fornicando com um jovem no lago". O marido
ficou possesso. Apanhou uma pedra e chamou a todos ao redor e pediu catassem
pedras e o seguissem. Os que ali estavam, cataram pedras para acompanhar o
marido ao lago. Todos estavam dispostos a apedrejarem-na até a morte. O marido
caminhou junto ao juiz a frente da multidão. Ao chegarem ao lago e verem Susana
coberta de água até o pescoço, preferiram acreditar nos olhos e não na razão.
Porque, naquela lei, o homem traído lavava a honra com sangue e a pedradas.
Porém, um dos homens da multidão, buscando defendê-la pede prova, aí, o Juiz, reafirmou tê-la visto ali
com outro homem e mostrou as vestes roubadas. Susana, evidentemente, negou e
negou de dentro do lago, porém, ninguém acreditou na versão dela. Então, mesmo cheia de pudores, ela que era
temente a Deus, ganhou forças e caminhou para sair do lago em direção ao
marido: Tham! tham! tham!... amanhã eu termino a história, vamos dormir.
—
Ah!, pai. É sujeira sua. Conte logo o final...
—
Calma, estou fazendo um pouquinho de suspense... eu estava?...
—
No lago...o chifrudo ia matar a mulher a pedradas.
—
Certo, filha... bem... ele não era chifrudo. Ela se recusou a se dar...
—
Emprestar, pai. Nós não damos, emprestamos...
— Ta certa, Beatriz. Então vou continuar...
Susana caminhou em direção ao povo e olhando o marido nos olhos disse: "— A
ti, sempre fui fiel por amá-lo das profundezas de meu coração, e antes que me
mate, saiba, que jamais cometeria adultério e não só de meu amor por ti, mas
por ser uma serva do Senhor Deus". Então, misteriosamente, tudo escureceu.
E, como surgida do nada, uma luz intensa e muito clara emanou do corpo de
Susana. Assim, vestida de luz, ela saiu caminhando da água em direção à
multidão. A luz que emanava dela, era tão intensa que ofuscou a todos,
impedindo, inclusive, de verem-na nua. E, dentre os raios luminosos, ouviu-se
uma voz: "— Diante de vocês está uma serva do Senhor, de alma pura, e
inocente do crime imputado". Resultado, filha... Susana saiu do lago e a
multidão cobriu os olhos sem que ninguém a julgasse mais uma pecadora. O marido,
arrependido, seguiu-a e rogou por perdão e por ela foi perdoado, porém, o juiz
impudico e malévolo, que insistira em vê-la sair nua do lago, como castigo,
ficou cego para sempre... Então, filhota, gostou?
—
Não! É meio babaca, pai. O juiz deveria ter morrido apedrejado... Ele queria
fazer sacanagem com a moça!
— Filha!, estou desconhecendo seu palavreado.
Sacanagem!
Desencostando-se do pai, Beatriz respondeu com um
ar de deboche.
—
E quem é que não sabe o que é uma sacanagem, Pai!. Estamos no século XXI, em
2005. Não escorregue na maionese.
—
Mesmo assim, filha. Não sou a favor dessa linguagem, ainda mais se tratando de
uma menina...
—
Já sou mulher, pai!
—
Certo. Esqueci-me que as adolescentes não gostam de serem consideradas crianças.
—
Entenda como quiser, paizinho.
—
Como assim?
Aproveitando
que o pai esticou as pernas, Beatriz se deitou no colo dele e calando-se sobre
o assunto, pediu:
— Quero que você me conte sua infância, fale de
sua adolescência... Você nunca me falou a respeito de sua vida, de suas
namoradas, de suas amantes...
—
Não tenho namorada muito menos amantes. Falta-me tempo e disposição para isso.
Quanto a minha infância? Tive uma infância difícil, sofrida. Meu pai morreu
muito novo. Minha mãe desde sempre era uma mulher triste, de poucos sorrisos.
Até hoje vive aprisionada a religião e a memória de papai. É comum vê-la com o
álbum de fotografias que guarda recortes a respeito dele. Os meus avós já
faleceram. Não lembro. Quando criança você conheceu meus avôs, filha?... Você
não se lembra do Coronel Alcebíades e de vovó Pequenina?
—
Não. Eu era muito criança quando minha bisa morreu. Seu avô eu nem conheci.
—
É verdade, você era bem novinha... O coronel era um homem sisudo. Parecia uma
dessas personagens literárias. Usava uma suíça espessa, alourada, que saia dos
lados das orelhas e descia até quase o queixo. Ele mantinha a boca e o queixo
nus, era meio careca, aliás, tinha cabelos ondulados... Entendeu?
— Não.
— Um do lado um do outro...
— Essa piada é velha, pai.
— É que
seu bisavô só tinha cabelo nas laterais e no fundo da cabeça, os cabelos eram
amarelados, ralos, lisos. Seu bisavô era filho de português com uma mulata
clara, baiana. Mesmo assim, o sacripanta era racista. "— Preto só
fêmea..." — dizia. Depois ele completava — "...e de.. bom..."
Deixa pra lá, filha.
Sem poder vê-lo, já que uma nuvem encobrira o
luar, Beatriz acomodada no colo do pai se fez irônica.
— Deixe você de bobagem, paizinho. Já
vou fazer 16 anos... de bom o quê? a xoxota? os peitinhos? Que besteira, pai.
Diga logo!
—
Cu, filha... Ele dizia: "— Preto só fêmea e de bom cu." No português
dele a palavra bunda não era utilizada. Ele sempre usava o substantivo cu.
"— Senta o cu na cadeira, moleque! Come a porra da verdura ou lhe dou um
coque!" — Onofre não só falou, mais do que falou, ele interpretou gestos,
entonações, feições, etc. — Acredito que o Coronel fazia isso para exibir-se e
agradar uma empregada que tínhamos... devia ela de ter um bom cu.
—
Pai, você guarda muita mágoa de seu avô, por quê?
— O Coronel era perverso, seco, tinha um rosto
redondo, papado, branco. Mas, quando se irritava, o rosto avermelhava, ganhava
tons rubros. Falava cuspindo e sempre com a voz arrogante, dominadora, eu tinha
medo e nojo dele. Quando ele falava as frases saiam infecundas e, apesar de
poucos adjetivos, era prepotência pura. Havia nele, uma única virtude. O escroto
gostava de literatura, principalmente de poesia, muitas de marinheiros: — “O
mar é mistério enfrentado pelos grandes, é manso e é bruto, é pacífico e
assassino", declamava. Camões era o poeta preferido, mas gostava de
outros, alguns, ele lia na língua de origem: no francês, no espanhol e no
inglês. Ele possuía uma estante de jacarandá que cobria três paredes do
escritório. A outra mania eram os soldadinhos de chumbo. Ele tinha uma maquete
que reproduzia a batalha de Walterloo, aquela onde dizem: Napoleão perdeu a
guerra em posição vexatória.... Nela, o Bonaparte aparecia distinto montado num
cavalo branco no alto da colina de feltro, verde, salpicada de um pó branco
para imitar neve, e nele, no bonequinho do francês, aquele chapeuzinho
ridículo. Ninguém se atrevia a mexer na maquete, nem mesmo minha avó. O velho
Coronel lia tudo a respeito do mar, dos césares, e suas guerras ou então lia
sobre Napoleão, Adolf Hitler, Átila... Só não sei o porque dele odiar os
alemães, mas os odiava. Judeu ele não era, disso eu sei. Era Católico
Apostólico Romano, assim ele me falava. Quando se irritava comigo, gritava:
"— Peguem esse alemãozinho de merda e me tragam aqui". Eu corria,
fugia dos puxões-de-orelha, dos cascudos, dos cachações. Escondia-me no quarto de Alzira. O quarto
dela era afastado da casa, ficava no quintal, atrás de mamoeiros e bananeiras, ao lado do varal, pegado à área de serviço e
junto ao muro do fundo. E do outro lado do muro, ficava o campinho... — dos
olhos de Onofre escorreram lágrimas emocionadas, mas a filha, dada a escuridão
não percebeu. — Alzira, — ele completou,
— era uma negra forte, de seios fartos e bunda grande, volumosa. Uma vez, eu o
vi apalpar a bunda da negra e dizer: "— Pudins, Alzira... pudins." E
a negra riu. Riu um sorriso de mulher desfrutável, vulgar. Vovó também viu, mas
se quietou. Nunca há vi reclamar. Vovó parecia não existir para o Coronel, era
um vulto, uma mobília, um mero utensílio doméstico. Vivia apenas para dizer a
negra fogosa o de comer, o de lavar, o de coser. Era isso, a igreja e suas
rezas. Vovó era baixinha, magrinha, de olhos miúdos, cabelos curtos e
grisalhos. Geralmente, ela cobria-os com lenço. A boca também era miúda de
lábios finos. Físico e espírito de mulher frágil. Vestia-se sempre com roupas
compridas, sem decotes, e de cores acinzentadas, opacas. De adornos, usava
apenas o lenço, o terço e o xale de crochê preto, desbotado. Ela falava pouco e
sussurrado, no entanto, era no colo dela minhas lágrimas, minhas queixas.
Quando eu chorava, ela dizia: "—Deus há de ajudá-lo, meu filho", e
chorava junto comigo, impedida de impedir meus sofrimentos, compadecia-se e
sofria, sempre, muito. O Coronel, como já disse, era seco, ranzinza. Gostava de
beber. E quando ele bebia, bebia bastante conhaque. Utilizava-se de taças
bojudas de cristal, que deitadas marcavam as doses. Em certas ocasiões,
convidava colegas de caserna e mandava a negra preparar feijoada e comprava
vinhos, cervejas e uísques. E todos comiam, bebiam e faziam algazarra, porém,
sem crianças para incomodar. Nas festas, eu ficava apartado, vovó os servia se
servindo de empregada. Eu ficava sozinho em meu quarto a escutá-lo, alcoolizado,
a declamar empostando a voz: "— Penso no marinheiro esquecido numa ilha...
Nos vencidos de sempre e nos sem esperança!". Aí, ele dava uma pausa para
os puxa-sacos aplaudirem e concluía com o crédito: "— Charles Baudelaire,
poeta francês: 1821-1867"...
Beatriz interrompeu o pai mudando de posição e
mais uma vez se ajeitou. Após breve pausa, Onofre continuou com o relato.
— Sempre ao
anoitecer, o velho limpava um cachimbo, era de marfim e prata. A piteira fazia
uma pequena curva e descia comprida, prateada, e se vergava novamente no
fornilho bojudo de um branco leitoso, de marfim, com tramas e arremate da mesma
prata. De prata também o isqueiro. Fluido e pedra substituíveis com chama
lateral para melhor inflamar o fornilho. Um isqueiro bonito para um cachimbo de
igual beleza... não sei que fim levou. À noite, o Coronel armava a radiola de
manivela, servia-se de uma farta dose de conhaque e pitava o cachimbo. Ele
sentava-se numa cadeira de lona, envolvido pela escuridão, e ficava ouvindo
músicas lamuriosas, fados...
— Fale-me de você, pai. Esqueça-se de meu bisavô.
— Eu não dispunha de amigos nem de colegas com
quem brincar. O sacripanta proibia. Ele não gostava de crianças. Existia,
pegado ao muro de minha casa, um campinho de futebol. Lá, os meninos da rua se
divertiam. Assim como eu, eles também morriam medo do Coronel rabugento. Quando
por erro ou desleixo a bola caía no nosso quintal, era certo. Ou eu corria,
pegava a bola e a jogava de volta sem o Coronel perceber ou, da janela do
gabinete, ele fazia mira e atirava. Era certeiro o disparo. A bola estourava,
de imediato, no sopapo da bala de uma pistola automática de aço lustroso e cabo
madrepérola. Sem a bola, estava acabado
o baba. Ao ouvirem o estampido da arma a garotada já sabia. Vaiavam, xingavam e
saiam correndo, emburrados. Certa vez, eu apanhei a bola para jogá-la de volta,
o velho atirou arrancando-a de minhas mãos, não me acertou, mas tirou um fino.
Vovó desmaiou, mamãe tentou uma reação, só tentou, depois, medrou... Mas os
meninos sempre davam um jeito e um dia ou dois depois, uma outra bola, e lá
estavam eles brincando novamente. Como eu os invejava. Meu avô dizia que eram
moleques, vagabundos e gritava: "— Neto meu não anda com vagabundos,
vadios, pivetes". Mamãe baixava a cabeça, vovó me levava ao quarto. E tudo
que eu queria, tudo que eu sonhava, era ser um deles. Na escola, no Colégio
Militar, era obrigado a ter empenho, — “Necessário ser o primeiro da turma,
alemãozinho de merda." — Vovô dizia. — Meus colegas, até mesmo meus professores
tinham marcação comigo.— “Ele é filhote de Coronel, é peixe, não dêem trela,
joguem duro".Vez a vez, porém, no recreio, um lanche rápido, engolido,
podia por breve tempo jogar bola. Esperava pelo faltar de um dos vezeiros e me
chamavam para o gol, para mim era a felicidade. Eu tinha 14 anos quando fui
mandado para aquele internato de feitio muito rígido. Foi uma época de muito
estudo, de muitas obrigações para o neto do Coronel. E foi sempre assim. Terminou
que o Coronel me roubou à minha infância e à adolescência. Quando o velho
morreu, depois do enterro, eu voltei ao cemitério e como havia prometido a
vovó, urinei no tumulo dele. Velho canalha! Ele pensava que eu não sabia da
negra. Eu sabia, sabia sim... numa madrugada, eu o segui indo ao quarto da
negra, e bisbilhotando pela fresta da janela eu vi a negra nua, de rabo pra
cima, com um travesseiro sob os quartos para melhor empinar o cu. E o velho
tarado adentrava a negra que gemia e pedia mais, e mais, e mais. O velho de pé,
roxo, suava feito cuscuz e ficava envergando-se para trás e para frente,
meneando na contra cabeceira da cama-de-armar que rangia no vaivém do sádico.
Torci para que ele morresse ali, fodendo a negra, assim eu poderia mijá-los...
Prometi a vovó que mijaria e mijei... Naquela noite, vovó me achou agachado,
olhando através da fresta e me puxou pelo braço. Vovó sabia, sabia de tudo e
tudo calava, pobre mulher, o velho também lhe roubara a vida.
Beatriz não ouviu o final da história, vencida a
angustia da areia e sal grudadas nas roupas, dormiu no colo do pai. Onofre
também sentia coceira, mas não ousou se levantar. Não queria acordá-la Apenas
dobrou a perna livre, assentou o antebraço sobre o joelho, encostou a testa no
braço e cochilou.
Poliana vai a
Brasília
Poliana estava sem ter notícias de Beatriz há uma
semana e não, por este motivo, preocupava-se. Não era de seu feitio procurá-la
sem necessidade, ademais, arrumava seus pertences. Seria enviada na madrugada
do dia seguinte para Brasília. Ajudaria na cobertura jornalística das
"Comissões Parlamentares Mistas de Inquéritos," a mando do jornal diário onde trabalhava. Estava
ansiosa. Com um bom desempenho, poderia, de repente, galgar uma editoria.
Após entregar a chave do apartamento aos cuidados
de Magali, Poliana partiu para a capital Federal. Ao desembarcar foi direto ao
hotel. Depois de hospedada, vestiu-se e saiu no rastro dos colegas jornalistas.
Descobriu que alguns deles se reuniam numa pizzaria antes de irem ao Congresso
Nacional. Era costume eles pararem naquela pizzaria para uma festiva troca-de-figurinhas.
Ao tomar conhecimento da reunião, Poliana pensou: Vou até lá. Quiçá possa
descobrir algo que me conduza a um furo ou na pior hipótese, obter
esclarecimentos que me evitem uma barrigada. Com isso em mente, ela
seguiu para o restaurante.
Poliana
chegou à pizzaria, observou, ao fundo, quatro mesas justapostas, forradas com
toalhas vermelhas. Sobre as toalhas, pratos com fatias de pizzas e tulipas de
chope eram esvaziadas e reabastecidas, sucessivamente, pelos garçons. Em volta
das mesas, os jornalistas faziam alvoroço. Eram focas e repórteres
que discutiam, alguns com veemência, sobre o texto distribuído pelo Partido
Trabalhista.
Próximo à mesa onde se encontravam os jornalistas,
um homem aparentando meia-idade com a barba por fazer e cabelos acinzentados prestava
atenção ao debate. Destacava-se naquele homem o contraste entre o desleixo no
vestir e os óculos de aros negros e grossos. A princípio, Poliana não o notaria. Olhou os repórteres e
caminhou em direção deles. O cidadão, o de óculos negros, porém, encantou-se
com a beleza física e a elegância dela, mas, experiente, apenas a acompanhou
com o olhar. Pretendia sair, contudo, devido à chegada da dama, resolveu beber
mais uma dose de uísque. Pediu o drinque e foi atendido. Então, bebericando,
pode prestar mais atenção à presença de bela que a essa altura se enturmava. Ao
lado de Poliana, de pé, outro jornalista, esse alto, magro, de terno cinza,
tecia comentários:
—
Não vi nenhuma ação legítima da nova cúpula do PT. Está mais do que evidenciado
os envolvimentos de José Dirceu, João Paulo Cunha, Paulo Rocha e Delúbio
Soares...
Interrompendo-o,
acresceu opinião um outro repórter, um de bigodinho ridículo, baixo, gordo e
meio careca.
—
É primordial ao PT analisar com cautela a situação. Depois do depoimento do
Duda Mendonça e da Zilmar, a coisa ficou perigosa. Fala-se em impeachment.
Um outro jornalista, de estatura mediana, calvo,
de terno bege, acrescentou:
— Com o novo depoimento que Delúbio dará na CPMI da compra de votos, a
coisa pode feder mesmo. É de meter medo... o Duda Mendonça terminou por admitir
sonegação fiscal e evasão de divisas...
Da
cabeceira da mesa, um jovem de barba e cabelos longos, via-se pelo desmedido
entusiasmo ser um foca que entrou
no assunto sem pedir licença ou desculpas,
—
De Delúbio?... Ninguém tira nada dele! Delúbio é mais escorregadio que sabonete
de presídio...
O magrelo de terno cinza redargüiu:
— Mas se ele abrir o bico e contar o que sabe é
merda no ventilador. A situação do PT é constrangedora. Só acho que ainda não
respingou de jeito em Lula...
Intrometendo-se novamente, o foca que insinuou:
— Respingou sim... E o filho dele... aonde
conseguiu tanto dinheiro? Porque a "Telemar" investiria 10 milhões de
reais na empresinha eletrônica de Fábio?
—
Foram 5 milhões... — Rebateu um baixinho careca.
Vendo
que Poliana não definia posição, e querendo aproximação com ela, o coroa da mesa ao lado, após um gole de uísque, levantou-se,
abriu os braços, pediu silêncio e se intrometeu:
—
Senhores, por favor... até o presente momento tudo que assistimos foi
encenação, teatro. Perguntem-se: É do interesse da Fenaban, da C V M, das
Igrejas ou mesmo das oposições, que estas "Comissões Parlamentares de
Inquéritos", mistas ou não, dêem em algo mais do que na exoneração de
alguns funcionários públicos e force a renuncias de alguns parlamentares pegos
com a boca na botija?"... Claro que não, — respondeu-se: — então, eles vão
abafar..." Para o PSDB o importante é angariar votos para a eleição que se
aproxima. De resto, é visível o anacronismo.
O
foca irritado com a intromissão do cidadão de óculos pretos reclamou:
—
Vá beber seu uísque, Coroa! Você não sabe de nada e ninguém o chamou na
conversa.
O
cidadão de óculos preto calou-se. A polêmica continuou acalorada. Poliana,
entretanto, se sentindo acabrunhada pela intervenção agressiva do colega,
aproximou-se do homem de óculos negros e perguntou,
—
Posso sentar?
—
Claro!, bela de faróis azuis, sente-se. — Ele respondeu ao se levantar, puxando
uma cadeira ao lado e disse um por favor.
Após
se sentar, Poliana pediu,
— Perdoe a conduta de meu colega. É que os ânimos
estão acalorados.
— Não é necessário me pedir desculpas pelo jovem.
A paixão sega, porém, nada sega mais que a luz... É senhora ou senhorita?
—
Não sei, sou divorciada... Sou Senhora ou Senhorita?
—
Tu és uma rainha!
—
Já vi que o senhor tem veia poética...
—
Poeta em desejos... Sou apenas um viúvo fugindo da angustiante solidão. Bebe
alguma coisa?
—
Sim... aceito... um gim-tônica.
Mais
uma vez o homem de óculos negros levanta o braço e de imediato é atendido. Fez
o pedido e, enquanto aguardava, continuou a conversar,
—
Belos olhos.
—
Obrigada. Devo-os aos meus pais. — Respondeu Poliana ao elogio se debruçando
sobre a mesa.
—
É verdade. A beleza natural não é mérito, são genes.
—
O senhor fala engraçado... — Enquanto conversava, Poliana fazia poses
discretas. Jogava charme, até então, por mero hábito.
—
Acha!... — O homem de óculos fez outra pergunta retórica, — Você é jornalista?
— digo retórica pois ele sabia, por dedução, que a bela mulher era gente da
imprensa.
—
Sim! Trabalho em um jornal dirigido a empresários... No Rio de Janeiro.
—
E veio à Brasília nos brindar com tanta beleza? Deve ser um ótimo jornal.
—
É um jornal de circulação média e dirigido a um público específico, mas
procuramos fazê-lo bem feito.
—
Você é repórter política?
—
Não! Na verdade sou de outra editoria , mas pintou a oportunidade e eu
me apresentei.
—
Uma mulher bonita, elegante, e de iniciativa. Interessante e raro.
—
Não tão raro...e você. Trabalha em quê? É jornalista também.
—
Não! Nunca trabalhei em jornal. Era outra minha área. — Hoje estou
desempregado. Vivo de bicos. Vendo meus quadrinhos para sobreviver...
—
O senhor é Artista Plástico?
—
Não! Sou pintor! De quando em quando consigo vender um quadro, mas,
infelizmente, ainda difícil vendê-los.
—
Minha mãe também era Artista Plástica?
—
Talvez eu a conheça pelo trabalho. Qual
o nome?
—
Não! É improvável. Chama-se Zulnara. Mas parou de pintar a anos.
—
É uma pena... Pintar é uma aventura metafísica, inclusive, com função
terapêutica...Você pinta?
— Só o sete... — Poliana ri da própria resposta —
...Puxei ao meu pai. Ele foi um bom jornalista. Um jornalista de esquerda em
uma época complicada. Ele já morreu. Escrevia maravilhosamente bem... foi exilado,
sofreu nas garras da ditadura militar... mas, graças a Deus, veio a anistia...
—
Muitos sofreram. É pena!... Foi uma época de bons jornalistas. Na sua maioria
autodidatas. O jornalismo é uma profissão nobre, de importância e relevância.
Lastimo que esteja em decadência neste atual modelo... mas não se assuste,
morrerá lentamente. Agonizará como um sedento buscando um último gole de água
doce na beira do mar.
—
Você acredita nisso?... Como é mesmo seu nome?
—
Malaquias... mas por favor, isente-me da
lastimável musiqueta...
—
Não conheço a musiqueta.
Malaquias,
envergonhado, cantarola:
— "Seu Malaquias preparou lá a pimenta...
Ai! ai! ai!..."
Poliana, sorrindo, acompanha-o fazendo um dueto:
—..."Você disse que não ardia... ai! ai! ai!
seu Malaquias". Lembrei-me.
— Não disse... É sempre assim.
—Bobagem! A música é bonitinha, sensual —
Esbanjando charme, Poliana vai aos poucos se encantando pelo interlocutor.
Malaquias ajeita os óculos e pousa a mão sobre a
mão de Poliana. Ela, inexplicavelmente, não reage à investida, pelo contrário.
A mão morna mais a voz grave e pausada de Malaquias levam-na a sentir sensações
agradáveis de proteção e tranqüilidade. Ele volta a falar sobre jornalismo.
— Como dizia, bela jovem.
— Poliana... meu nome é poliana.
— Poliana!, são muitas Anas. Anas das dores, dos
amores, Anas de Amsterdã. Poliana... belo nome.
— Obrigada... Você falava? — Ao agradecer ela
sorriu, mostrando um alvo e lindo sorriso.
— O jornalismo, como conhecemos hoje, é uma
profissão decadente... — Afirmou ele.
— Os jovens jornalistas de hoje lêem muito pouco
do que preste o que reduz a renovação de leitores. — Comentou, Poliana, num tom
entristecido.
— É verdade. – Retrucou Malaquias --- Os novos jornalistas
não são habituados à leitura no que tange principalmente a literatura. Mas não
é só por isso não. A mídia, por necessidade de sobrevivência, explica e comenta
a versão dos poderosos ou prende-se as mazelas da natureza humana de forma sensacionalista
. Os jornalistas sérios vivem num eterno dilema ético. Retratar através da
ficção verossímil os interesses dos anunciantes e correr o risco de perder
leitores, ou atender aos anseios dos leitores e arriscar amargar prejuízos
financeiros. É uma decisão puramente econômica entre o preço de capa e o número
de anunciantes. Em se tratando da mídia impressa, é claro. O ideal seria o
preço de capa cobrir custos e lucro dos veículos, libertando-os de vez dos
interesses das elites dominantes. Mas aí, só poucos teriam acesso aos jornais e
revistas. A mídia eletrônica também é refém dos anunciantes, e pior, do ibope.
É o que se chama sinuca de bico. Acabou aquele romantismo do idealismo panfletário. Morreu a vontade de se lutar pelo
bem comum e divulgar idealismos sãos. A mídia está cada vez menos preocupada
com fatos e cada vez mais se afasta da realidade ou se atem às misérias humanas
que são temas preferidos pelo sensacionalismo nos meios de comunicação. A
exploração do contundente e do bizarro serve como chamariz para atrair leitores
ou espectadores. E, uma vez que ela apenas corrobora com os poderosos, pouco
acrescenta... Cumpriu-se, desta maneira, a profecia. A mídia harmonizou,
harmoniza e harmonizará verdades e inverdades, as versões com as invenções, o
crível como fatos, de modo a pactuar com o diabo, como foi preconcebido por
Friedrich Maximilian Klinger.
— Que história é essa de pacto com o diabo? —
Poliana se sentiu desconfortável por não reconhecer o escritor aludido.
— De Friedrich M. Klinger, "O discurso de
satã". Não conhece?
— Devo admitir que nunca nem ouvi falar.
— No romance, "A vida de Fausto, seus feitos
e sua descida ao inferno," satã discursou quando recebeu a personagem
Fausto no inferno. Lembro-me apenas de pequenos trechos desse discurso.
(Caros
leitores, fica o aviso: Existe o texto, o autor e o livro. O restante é um
desvirtuamento criado pela personagem Malaquias, sobre o texto de Friedrich Maximilian Klinger, no intuito de impressionar a
dama.)
É mais ou menos assim. — Narrou Malaquias com teatralidade:
— O tinhoso discursava: “Um atrevido mortal de nome Fausto quer
tornar-se digno de conviver conosco. Ele descobriu a arte de reproduzir com
facilidade milhões de vezes os livros. Este entretenimento perigoso, propagador do terror, da demência, das
mentiras e da treta é fonte da soberba e mãe da dúvida. Antes o saber era
privilégio de poucos, em breve, atingirá até a casa dos mais humildes dos
homens. Daí em diante, o perigoso veneno da sabedoria e da ciência contaminará
a todos! Loucura, dúvidas, intranqüilidades e novas necessidades
alastrar-se-ão. E eu duvido que possamos abarcar todos aqueles que serão
contaminados por esse sedutor veneno.”
— Bobagem, Malaquias...— opinou Poliana — Desde
quando a sabedoria e a ciência são um veneno? Além do mais, os jornais só lidam
com fatos...
— Você está certa disso? Então, está certo... ele
se referia á impressão tipográfica, mãe do jornal, avó do rádio, da televisão e
bisavó dá informática. Mas esse detalhe não vem ao caso... Eu falo da
divulgação de verdades para a massa... e falo das verdades e não do fato em
si... Deixe-me concluir, linda jornalista... Abra sua mente... Faça uma
correlação com a imprensa de hoje... O diabo continuou discursando e disse mais
ou menos assim: “...está próximo o tempo em que o pensamento e as opiniões dos
ousados renovadores e críticos do antigo, seja contaminado pela descoberta de
Fausto, como por uma pandemia. Surgirão reformadores do céu e da terra cujos
ensinamentos pela facilidade de comunicação se espalhará. A princípio os de boa
fé buscarão preservar a verdade. Mas, quando e por quanto tempo é o homem capaz
de praticar o bem? Facilmente o homem é tentado a praticar abusos e más ações
em nome de suas mais legítimas aspirações. Sua fantasia inflamar-se-á para
criar milhares de novas necessidades para escreverem livros que lhes tragam
fama e fortuna, e aí, não hesitarão em pisotear a verdade e a simplicidade.
Escrever livros tornar-se-á um oficio vulgar através do qual gênios e
charlatões procurarão glórias e riquezas, sem se preocuparem com a confusão que
irão causar na mente de seus irmãos. Mendazes escravizarão os inocentes. Tudo o
que é visível e invisível os homens pretenderão provar, medir e compreender.
Inventarão palavras e números para as coisas inexplicáveis, acumularão sistema
sobre sistema até que tenham conseguido atrair as trevas para a terra. Onde há
dúvida, brilhará como fogo-fátuo que atrai o peregrino para o pântano... E uma
monstruosa mistura de sabedoria e superstição será incutida nas mentes e nos
corações dos homens. Então, eu estarei à espera! E poderei abrir as portas do
inferno para receber o gênero humano...” —
Para findar o discurso, linda. O capeta
completou: “Eles encherão o mundo com todos os vícios até que totalmente
imersos em ilusões abdicarão de Deus e serão meus eternos servos...” — Nada mais profético.
— Não concordo com esta visão fatídica da
imprensa e da humanidade, Malaquias. Muito menos ainda compactuo com a moral
judaico-cristã.
Poliana irritou-se e no irritar-se expôs no olhar
um cintilar de determinação que encantou Malaquias. Naquele ínfimo instante,
surgia à mágica do momento fotográfico. O átimo onde a retina capta a beleza
plena e a imortaliza no espírito se fazendo paixão. Malaquias viu na jovem a
garra que perdera nos tortuosos caminhos da maturidade. O ímpeto da jornalista
o revigorava. Ele desejou voltar a acreditar que algo poderia ser mudado. Havia
sido um ativista político, poeta e pintor. Lutou contra a ditadura militar e se
exilou para fugir de torturas físicas e emocionais no regime totalitário.
Retornou ao Brasil quando da anistia política. Havia chorado as mortes de
Teotônio Vilela, Tancredo Neves e Ulisses Guimarães. Empenhara-se para eleger
Fernando Henrique Cardoso quando da eleição no primeiro mandato. Mas, ao vê-lo
entregar de mão beijada as riquezas brasileiras aos especuladores
internacionais, ao ver o Brasil ser entregue ao fisiologismo, decepcionou-se.
Chegou a acreditar em Lula até pouco antes da eleição, quando, para se eleger,
o candidato se aproximou da elite-podre e curvou-se aos corvos e bruxas
enraizados ao poder e ao capital imperialista. Decepcionado politicamente,
desencantou-se do idealismo e indiferente ao mundo transformou sua esperança em
desespero e se entregou à bebida.
A presença de Poliana, no entanto, parecia
revigorá-lo e querendo se aproximar da
jornalista ele comentou:
— As denuncias não darão em nada, minha rainha.
Lamentavelmente, os escroques irão abafá-la. Demitirão alguns, outros irão
renunciar para se candidatarem num momento mais oportuno e provavelmente serão
reeleitos. Talvez substituam alguns funcionários públicos envolvidos diretamente
para porem outros iguais aos demitidos e só. O País continuará nas mãos desses
financistas inescrupulosos e gananciosos. Para mudarmos tudo isso só através
retomada de valores éticos, através da cultura e da educação infanto-juvenil.
— É verdade. — Concordou Poliana — Os
investimentos na educação estão cada vez menores.
— Não é só dinheiro, minha rainha. O método
também está errado. Mesmo as escolas mais caras não ensinam os valores da
pesquisa e do pensar por si mesmo. Se continuarmos apenas dizendo: é isso, é
aquilo, é assim, elas não aprenderão a procurar as respostas e serão vítimas
dos sofistas, dos demagogos e dos hipócritas. É cômodo para crianças,
adolescentes e também a maioria dos adultos menos esclarecidos deixarem que
outros pensem por eles. Porém, ao crescerem vítimas dessa dependência,
continuarão a acreditar ser verdadeira a ilusão factual e se sujeitarão de tal
maneira a elas que aceitarão como normal viverem em meio a uma guerra
social.
— Mas hoje, com a Internet...
— Não muda nada, minha rainha. A Internet é mais
uma ferramenta que pode ser usada para manipular e contorcer a realidade. É uma
ferramenta facilitadora e importante, admito, mas é só mais uma ferramenta. Ela
é como um papel em branco, aceita tudo. O importante é o cérebro de quem
manipula a ferramenta. Vou lhe contar uma historinha. Quando criança, perguntei
a meu pai o por que da lua não cair. Ele não me respondeu. Ao invés disso me
levou à biblioteca, pediu um livro que falasse do assunto, no caso, sobre a
gravidade e me fez lê-lo. Eu comecei a ler e fui descobrindo coisas e mais
coisas. Depois ele me disse: aqui você encontrará todas as respostas
necessárias para uma vida útil desde que você pense sobre o que leu. Aqui você
aprenderá de como se plantar batatas até como se construir foguetes. Aqui você
poderá viajar pelo mundo sem sair do lugar e poderá viver as mais deliciosas
aventuras... Mas mantenha um distanciamento racional. Uma tese é apenas uma
tese, uma hipótese é apenas uma hipótese e uma teoria é apenas uma teoria...
Pense antes de acreditar em tudo o que se lê. Analise, reflita.
— Seu pai foi um sábio, Malaquias... Mas,
deixando a educação e voltando ao assunto do mensalão... O que você acha?
— Já disse. É vezeiro o sistema de financiamento
político. Todos se locupletam dele. Nem situação nem oposição são virgens
inocentes. Estamos na mão do capital especulativo dos fundos de pensão e dos
holding’s.
— Não entendi...
— Vivemos numa economia onde se remunera mais o
capital especulativo do que propriamente a produção. Isso se deve a
introspecção dos financistas, esses homens de lata e sem coração. Eles só vêem
o lucro imediato. Eles se esqueceram da realidade exterior, perderam o foco
dessa realidade. O que é perigoso para eles mesmos e para a humanidade. O empobrecimento
do povo e a robotização nas indústrias é burrice. Sem empregos e sem uma classe
média forte. Ficamos sem mercado interno, sem distribuição de renda, sem
produção, sem tráfego, etc... Essa política assistemática do neoliberalismo
brasileiro aceita por FHC e fortalecida por Lula que de um lado oferece esmolas
e de outro bota raposa pra tomar conta de galinheiro, só pode redundar nesse
caos social que está aí. Outro agravante é a perda dos valores éticos. Este
niilismo que estamos vivendo, fruto de irresponsáveis e incompetentes
manipuladores da grande mídia. Esse niilismo não é bom para ninguém... Peculato
e corrupção agora são meros errinhos? Tal absurdo só é possível num governo
cínico e corrupto como foram e estão sendo o do nosso Brasil varonil. Estão
matando o planeta e marginalizando
grande parte da humanidade para que muito poucos lucrem muito.
— Malaquias, você está fugindo do assunto
mensalão.
— Não! Não estou não! Tudo isso tem haver com o
mensalão, mas tudo bem... Vamos lá... Tudo começou com a denuncia de Roberto
Jefferson por ter tomado um calote de...
— Não, Malaquias. Começou com o funcionário dos
Correios que recebeu 3 mil reais...
— Sim! É verdade. O PT forçou a barra para barrar a CPI e abafar o caso.
— Foi. Eles tentaram abafar no apagar das luzes.
O senador Suplicy, que estava boiando, foi contra. O Roberto Jefferson se viu
no fogo e fez chantagem. Se eu for denunciado, acaba-se a República das
bananas.
— Isso! Ele denunciou José Dirceu, Delúbio Soares
e Genuíno.
— Sim. Até agora. O PT tinha montado um esquema
de arrecadação de propina. Mantiveram uma conta no exterior que vinha para o
Brasil via offshore. O Banco Rural servia de avião, mula ou
qualquer outra nomenclaturas ... Não se esqueça do cuecão... Estou
divagando?
— Está divagando, Malaquias...
A cada minuto, Poliana se interessava mais pelo
novo amigo, achava-o divertido. Malaquias continuaria a divagar:
— José Dirceu era o capo de Waldomiro que
controlava Delúbio Soares. No meio de tudo os doleiros e os marqueteiros. E
Lula não sabia de nada?... É estou divagando...
— Ele disse que não. Lula disse ter sido traído.
—Não sei! Até aí tudo bem. Em síntese. Alguns do
PT tinham um esquema de arrumar dinheiro no Brasil ou no exterior ou nos
dois... Mas fica a dúvida. De onde vinha tanto dinheiro?
— Ninguém sabe, — respondeu Poliana.
— Deve de ser um misto. Deve de resultar da venda
de benefícios para os grandes especuladores como os bancos, multinacionais etc.
Ou ainda, pode ser negociatas com os fundos de pensão. Algumas corretoras fazem
negociatas para dar lucro a alguém, tipo construir um complexo hoteleiro e sair
no prejuízo. Esse alguém tira sua parte e repassa a dinheirama para algum
paraíso fiscal que volta via Banco ou através de doleiros. O fundo fica no
prejuízo, aí o IRB cobre o rombo. Noutra frente, executam-se contratos de
serviços superfaturados como se tem comentado pelos corredores sobre a Caixa
Econômica no rolo dos bingos. Outras ainda, passa pelos grandes conglomerados internacionais
e nacionais da telefonia, invadem empresas como a Petrobrás, os Correios e
terminam em nosso bolso. Ou seja. Quem termina pagando a conta é sempre o povão
com sobretaxas e impostos, aumentos infundados nos serviços públicos e mudanças
nas leis que favorecem a ladroeira dos bancos e deixa o povão e a classe média
ao Deus dará... Mas não tem como se provar nada ou tem?...
— Nós vamos provar. A imprensa está encima. —
Falou Poliana orgulhosa. Mas, Malaquias rebateu.
— A imprensa está ciente da roubalheira e se
cala. Salvo quando divulgar atenda aos interesses dos seus anunciantes e
proprietários. E neste caso interessa. Eu quase vomitei quando li numa revista
de grande circulação o que uma colega sua escreveu. Dizia que a sociedade
brasileira votou em Lula sob a condição de que ele renunciasse às tentações da
esquerda. A filha-da-mãe inverteu a verdade. Hipócrita! Cínica! O povão elegeu
Lula justamente pelo contrário. Elegeram Lula por causa do discurso da mudança,
da ética administrativa, da geração de empregos.
— Não entendi o que é que tem haver da cueca com
as calças. — Disse Poliana em defesa da
colega — O que é que tem haver a arrecadação de propina, feita por alguns
parlamentares da base aliada e do governo, com uma colega que escreveu a opinião
dela sobre os votos obtidos por Lula.
— Claro que tem tudo haver. Em primeiro lugar a
classe média não elege ninguém. Quem elege é o pobre e pobre não tem conta em
banco, não participa da economia formal e nem se dão conta de que são eles que
pagam o grosso dos impostos, todos mascarados e embutidos no valor das
mercadorias... O pobre sonha com
segurança, quer ter o direito de ver seus filhos crescerem sem serem mortos por
traficantes ou policiais. Quer o direito de vender sua guia, “seu peixe”, — Malaquias
faz mímica, pondo aspas em seu peixe, para ampliar o sentido das palavras
— sem ser roubado ou perseguido pelo
Rapa. Pobre só quer comer, dormir sentindo-se seguro e ter saúde e rezar para
sobrar um troquinho para a cachaça. Sonham com seus filhos estudando sem
entender direito o porque de tanto estudo. Mas acreditam que nas escolas seus
filhos estarão seguros... A quem sua colega defende? Ela defende a quem
interessa financiar leis através de mensalões, leis da usura. A quem interessa
manter o neoliberalismo FHC / Lula. Além do mais, como predisse Friedrich, a
imprensa fez o pacto com o diabo... Vê-se que sua colega nunca saiu do play de
seu edifício... E quando saiu foi para hotéis de luxo. O Brasil é um país
continental. Vários climas, várias culturas, vários problemas sucessivamente
opostos e concomitantes e que ela nem
imagina. Ela é uma incompetente! O Brasil ainda é um país tribal, um país de
ribeirinhos, de sertanejos, de bóias frias. É importante definir o que é
importante. O que é prioridade para o governo: o acumulo de capital e a
tecnologia ou o homem. O homem comum. Essa parcela da humanidade apartada e
marginalizada. A poluição gerada pelos usurários está extinguindo os peixes dos
rios, dos mares. Está mudando o clima desfavoravelmente. Para quê! Para atender
ao desejo de uns poucos déspotas que querem andar de Ferrari e usufruir um
poder que não é deles...
Poliana, sorrindo, segura Malaquias pelo braço e
pede se acalme. Ele obedece.
— Malaquias, tenho que ir. Adorei seu papo, mas
tenho que conseguir um passe para fazer a cobertura no Congresso.
Já perdi tempo demais aqui. Tenho que fazer minha matéria... Foi um prazer.
Adorei sua companhia...
Malaquias que faria qualquer coisa para
conquistá-la atacou:
— Não estou fazendo nada de importante, se
quiser, te dou uma carona.
— Verdade!? Vai para os lados da Câmara?
Mentindo descaradamente, Malaquias se prontificou
em ajudá-la.
—
Vou... Estou vadio... Se você aceitar, me ofereço como seu motorista durante o
tempo que você permanecer aqui em Brasília. Não tema, não existe de minha parte
segundas intenções. Será para mim será uma aventura, uma fuga do ócio.
—
Aceito sob uma condição.Vou remunerá-lo a preço justo. Certo! — Poliana tentou
a manter com a proposta uma certa distancia profissional.
—
Ótimo. Arranjei finalmente um emprego. — Malaquias alargou um sorriso nicótico
ao aceitar a oferta.
—
Então vamos.— Decretou Poliana, — quanto eu devo?
—
Nada... Deixe-me quitar a conta e vamos.
Malaquias, que a essa altura ganhava a confiança
de Poliana, acertou com o garçom o pagamento da conta e partiu ao lado dela.
Através do rádio do carro, em flashes, o casal
ouvia às ultimas notícias:
"Henrique Pizzolato, ex-diretor de Marketing
do Banco do Brasil, delatado como beneficiado por Marcos Valério, não convence
aos membros da CPI dos Correios. —Comentou o Radialista —
Quando não calou, mentiu. Êta
criatura enrolada..."
No caminho para a Câmara de Deputados, Malaquias
resolveu adquirir e adquiriu câmera e demais apetrechos fotográficos.
Aproveitando-se da carteira sindical da jornalista, ele conseguiu credenciais
de fotógrafo para acompanhá-la na cobertura das CPMIs.— Enquanto ela fazia as
entrevistas, ele fotografava.
Posteriormente, munidos dos materiais
necessários, partiram de volta ao hotel onde ela se hospedara. Poliana foi
direto ao quarto para checar, por via telefônica, às informações auferidas.
Malaquias, paralelamente, reservava quarto anexo ao da nova companheira, tendo
sido autorizado pela diretoria do jornal. — Ele fora contratado por solicitação
da jornalista quando do credenciamento na Assessoria de Imprensa da Câmara de
Deputados.
O
dia passou em fleche para o casal. Ela, agora, aflita com o horário do fechamento
do jornal, sentada em frente ao noteboock, meditava sobre o enfoque a
ser dado à matéria. — Poliana depois de se banhar, vestiu-se apenas com
uma calcinha rendada, preta, e à guisa de torço, uma toalha estampada com a logomarca
do hotel.
Malaquias bateu na porta. — Trazia as fotos em CD
para ser enviada ao jornal.
—
Entre, está aberta. — Poliana pediu displicentemente.
Ao
entrar, Malaquias se deparou com jornalista seminua. Admirado frente a
seminudez de Poliana, fincou visão nos seios firmes e na sobeja sensualidade e
beleza mostrada, enquanto, Poliana redigia algumas linhas da matéria
jornalística. Ao notá-lo boquiaberto, parou de digitar, olhou-o e, estranhando
aquela atitude, perguntou:
— O que foi? Nunca viu um par de seios?
Andando
em direção a Poliana, ele respondeu:
—
Belos assim, não. Dá vontade de mordiscá-los, chupá-los, lambê-los...
—
Estou ocupada, homem. Pare de agir feito um adolescente e ajude-me. É muita
informação, tenho que achar o fio da meada.
—
As informações capituladas são apenas boatos, acessórios. O que é mais
importante? O que só você viu? — comentou Malaquias, já posicionado como
"papagaio-de-pirata" no ombro da dama.
Poliana
já havia digitado:
"Aproveitando a onda de denúncias que
assolam o noticiário, em sua maioria verossímil, mas, poucas, comprovadamente
verdadeiras, tocam de leve no nervoso mercado financeiro ao incluírem o
ministro da Fazenda, Antônio Palocci, em denúncia dedurada pelo alcagüete
Rogério Buratti, de que o ex-chefe recebera R$ 50 mil por mês a título de
propina quando prefeito de Ribeirão Preto. O ministro nega..."
Malaquias
massageava os ombros da jornalista e, ao mesmo tempo, lia o texto digitado por
ela, até que de súbito, intrometeu-se:
—
Não!, querida. Tem que por alma... ALMA! Assim como está, você está noticiando
o boato e sua repercussão... Tente algo assim ó:
Malaquias
tomou de Poliana lugar no acento e digitou:
Pelo pendão da esperança,
o sentimento de sobrevivência da Pátria exaltado
no ardor íntimo do patriotismo exige, ainda que a verdade não seja símbolo
pleno e triunfante deste governo, que ela seja exposta. Um governo que se
alimenta da própria imagem, — criada cinematograficamente pelo mago marqueteiro
Duda Mendonça —, e de convicções ambíguas, só poderia atingir um patamar de
vaidade em que o narcisismo importa mais do que a trivialidade de governar.
O futuro árido que vislumbramos carregados de
carências profundas é um apelo notório na busca dessa verdade. São ingênuos os
políticos? Provavelmente não. Se alguns, realmente, não sabiam da existência do
caixa dois deveriam sabê-lo ou mudar de ocupação. Aos políticos não é dado o
privilégio da inocência. Inocência é para crianças e adolescentes e por este
motivo, são inelegíveis. Um político inocente é o desvirtuamento da mística do
poder imputada pelo voto do cidadão que acredita ser defendido por um alguém
sábio, sagaz e ético. Acima das ideologias, o que deve prevalecer é o espírito
coletivo da verdade no imaginá-la em alguma parte e ir buscá-la a qualquer custo.
A malsã prática do sofisma, arma única desse
governo pífio, expõe-se na linfa das
chagas ainda escondidas na notória estupidez do "cheque em branco". O
Senhor Presidente deveria, pelo menos, deixar de fora discursos teatrais que subestimam
a inteligência da população média brasileira, e encarar aos anseios do povo
para o qual diz governar. Enquanto banqueiros e especuladores desfilam
blindados de qualquer ação protegidos por leis financiadas à revelia do
sentimento patriótico, onde o povo deveria ser causa e efeito em uma democracia
minimamente ética.
No entanto, o cidadão comum, desconhecedor das
práticas macro-econômicas, assusta-se sob o apelo à ignorância, sofisma
depurado pelo mandatário maior da nação: “da sensível estabilidade
econômico-financeira do País.” — Perde o teatro um grande ator e ganha os
oftalmologistas uma recente patologia: a cegueira oportuna.— Não deveria o povo
temê-la. Uma vez que ele não tendo míseros investimentos em nada sofreria com a
quebra do Mercado Financeiro, o que não é o caso. Até porque, o poder de compra
dos indignos salários ou do mirrado pecúlio, fruto de muito suor, já fora
rebaixado a um quase-nada. A redução dos juros brutais e o extirpar da ganância
dos impostos, cinicamente maquiados, urgem.
No calor das madrugadas, porém, as raposas recuam
ao se defrontarem com o perigoso limite da verdade no poder político. Essa
entidade, esse fantasma, que burla e esconde as feridas de um capitalismo
monstruosamente guloso e abstrato, onde a moeda virou um produto caríssimo e
desumanizador, forçando, talvez, a se perder de foco a finalidade primordial da
ciência política-econômica: o equilíbrio e o bem estar do ser humano.
Se não por outros motivos, mas pela convicção de ser a democracia a menos
pior forma de governo que a sociedade civilizada encontrou para evitar
banhos de sangue, que a população lúcida brasileira, apesar de sentir-se órfã
da esperança e descrente do rumo que iremos, permanece, apenas, na expectativa.
Porém, essa mesma população está vigilante no porvir e nós esperamos que a
verdade, penhor de toda ética, mostre-se revelada. E clamamos para que as
Comissões Parlamentares Mistas de Inquéritos não se encaminhem no sentido de
preservar, de quem quer que seja ou por quaisquer motivos, o status dessa corja
que atribui descrença à tão nobre e necessária instituição da República. Assim
como, esperamos urgentemente pela derrocada dessa política
econômico-financeira, maquiavélica, de remunerar multimilionáriamente o capital
especulativo.
É sempre hora de reconstruir. As urnas nos esperam.
— Pronto,
menina. Esta aí a linha da matéria.
Poliana, exclamou:
— Você é louco!, Malaquias. Deixe-me terminar de
escrever minha matéria que você vai poder chupar, mordiscar, ou lamber os meus
peitinhos! Devaneio puro... Você é maluco! Mas devo reconhecer que é um
discurso digno de Teotônio Vilela. Porém, não é uma matéria jornalística ou um
artigo... e devo corrigi-lo na gramática. Menos pior está errado. Pior é a
forma sintética do substantivo. Mais ou menos, boa ou má. É menos boa ou má, o
que não é o caso. Estude mais, curse uma Faculdade, deixe de ser megalomaníaco
e quem sabe, se torne um bom repórter.
— Não. É a menos pior mesmo. Se dissermos que é
menos boa, ela será um pouco menos que boa, mais boa. E esta democracia está
longe de ser boa. Se dissermos que é menos má. Diremos que não é má. O que
quero dizer é que essa democracia está péssima, mas é a única ainda possível.
Boa por podermos criticá-la, e má, pela forma segregadora de seu modelo, então,
menos pior, errado ou não, é a forma certa de se referir a essa democracia
fisiologista e ditatorial em que vivemos. Democracia fisiologista pode parecer
até um contra-senso, mas não é. Porque é
esta democracia que estamos vivenciando. A prática do lobby, da
hipocrisia, dos sofismas, dos acordos escusos, dos mensalões... democracia de
medidas-provisórias e de conluio dos caciques e lideranças partidárias... Quer
saber!. Escreva sua matéria como você quiser...
— Certo. Vou escrevê-la, depois nós vamos
jantar... Os meus peitinhos podem esperar.
E assim eles fariam.
Saíram,
jantaram, e deitaram-se. Poliana fez sexo, usara só o corpo, adorou.
Malaquias fez amor, corpo e alma num único ato, sublimou...
e
... juntos,
dormiram.
O segundo dia na ilha.
Pela manhã, em jejum e doloridos, pai e filha
retornaram ao local do acidente. A maré estava baixa. Da praia se via os
destroços do helicóptero. Na areia lambida por ondas suaves, eles encontraram a
mochila que continha as coisas de Beatriz. Enquanto ela foi checar seus
pertences, Onofre nadou até os destroços num mar transparente e sereno, sendo
incomodado pela fome e pelo roçar na pele do jeans de tecido áspero por estar
impregnado de areia.
No helicóptero, Onofre encontrou em bom estado os
bancos flutuantes do aparelho que ficaram submersos, presos a pedaço das
engrenagens na cabine. Mergulhando novamente, após livrar os acentos
flutuantes, Onofre apanhou vários outros utensílios. Aproveitando-se da saída
do pai, Beatriz foi catar frutas. Ela encontrou poucos frutos prontos a serem
consumidos, apenas, alguns cajus e mangabas maduras.
Não demorou a Onofre se unir a ela no reles
desjejum tropical. Após dividirem as poucas frutas, Onofre apanhou alguns cipós
e improvisou um carrocim atando-os aos bancos. Prendendo os cacarecos no
carrocim, ele os arrastou de volta ao barraco. Beatriz pegou a mochila e o
seguiu. Ao chegarem Beatriz reclamou,
— Pai. Estou exausta e ainda com muita fome.
— Eu também, querida. Relaxe! Vou ver se dou um
jeito.
Dentro da choça, Onofre apanhou o coldre, o facão, e partiu em direção
ao coral ladeado ao riacho. Caminhou descalço sobre ele. Pedras pontiagudas
machucavam-no. Ali, ele catou pinaúnas, ostras e retornou. Quando voltou, pôs
os mariscos junto ao barraco, subiu em um coqueiro próximo e retirou cocos.
Utilizando-se do martelo que encontrara na
caixa de ferramentas da aeronave, malhou um dos pedaços de alumínio que
trouxera confeccionando uma improvisada panela. Aproveitando-se ainda do
martelo e do facão, descascou cocos e chamou a filha que havia ficado na
palhoça, limpando-a.
— Beatriz, filha. Venha comer!
A
jovem havia trocado de roupas. Vestia-se, apenas, de pequenino biquíni branco.
Naquele traje, via-se uma mulher de extrema beleza em pleno frescor da
mocidade. Beatriz andou preguiçosamente em direção ao pai. Onofre não notaria
tão cedo a beleza e o melindre feminino da filha, assim como não tomou tento,
até aquele momento, do paraíso que o
circundava.
— Oba... cocos!... obrigada, Pai... esses bichos pretos e essas ostras,
eu não como. — reclamou a jovem mulher.
— São pinaúnas. É necessário comê-las, filha. É
nossa única fonte de proteína. Vou ver se consigo acender uma fogueira para
assá-las.
— Eu trouxe um isqueiro, pai. Deve estar em minha
mochila. Também trouxe minha merenda. Eu como a minha merenda e o senhor os
mariscos, certo.
— Certo... Cate uns gravetos para pormos fogo.
— Depois, pai.
Beatriz correu até o barraco e apanhou na mochila: o isqueiro, uma
cigarreira molhada, dois pacotes de salgados protegidos da água pelas
embalagens plásticas, e um short de lycra que ela imaginou vestir o pai mais
confortavelmente. No bolso do short, havia um pequeno saco plástico com
duzentos gramas de maconha que ela esconderia de volta na sacola. Saltitante,
Beatriz retornou ao local onde deixara o pai. Ao chegar, encontrou pronta a
pequena fogueira. Entregou ao pai o isqueiro e o short, abriu um dos sacos de
salgadinho, escolheu o que continha batatas frita e as comeu acompanhada de
água-de-coco. Onofre caminhou até detrás de uma moita próxima, trocou a calça
jeans e a cueca pelo short de lycra, foi até o gramado na margem do riacho.
Estendeu as vestes na grama depois de enxaguá-las no riacho, catou mais
gravetos e voltou à fogueira para reacendê-la. Beatriz encostou-se em uma pedra
grande lisa, de forma oval, na margem do córrego. Nela, espreguiçou-se como uma
gata, enquanto, Onofre, próximo, assava as pinaúnas e comia as ostras cruas.
Beatriz, que até então não demonstrara insegurança, perguntou-lhe:
— Pai, como sairemos daqui? Estou ficando
assustada.
— Não se preocupe, filha. Mais tarde irei
explorar a ilha e acredito que conseguirei encontrar alguém. Essa é uma cabana
de pesca. Com certeza ela tem um dono. Quando o sol baixar irei buscar ajuda.
Em todo caso, você fica aqui.
— Sozinha? Eu tenho medo de ficar sozinha, ainda
mais aqui, neste ermo.
— Espero não demorar. Aqui você ficará segura. A
esta altura sua mãe já esta tomando providências para que nos encontrem.
— E como eles irão nos encontrar?
— Pelo plano de vôo. Fique calma... Faça de conta
que estamos em um acampamento de verão.
— E comida? Eu não como esses negócios não. Vou
viver de cajus e cocos?
— Fome nós não passaremos, tem linha e anzóis de
sobra. Cocos á vontade. Ficaremos bem. — Esse isqueiro é seu? Você está
fumando?
— Ah! Pai. Já tenho quase dezesseis anos. Não sou
mais uma criança.
— Não vou impedi-la, mas não gosto deste
hábito...
— Nem me venha, pai! Sermão aqui não.
— Está bem, filha. Dadas às circunstâncias, isso
é o de menor importância.
Onofre pescou durante o resto da manhã. Conseguiu dois bons peixes
garantido a alimentação do dia. Resolveu, então, sair em busca de socorro. Partindo
do princípio que a ilha era habitada por pescadores, ele caminhou pela praia em
busca de um vilarejo ou algo similar. Andou atento a pegadas ou outros sinais
que identificassem moradores. Ficara acertado entre ele e a filha que enquanto
fosse procurar ajuda ela limparia os peixes e lavá-los-ia nas suaves ondas que
arrebentavam próximas ao coral e os estenderia, como mostrado, sobre a pedra
ovalada na beira do riacho, dando-se ao trabalho de cobri-las com folhas de
bananeira a fim de evitar insetos.
Após tratar os peixes, Beatriz caminhou até a
choça, apanhou um dos cigarros que havia secado, retirou fumo e filtro, e o preencheu com um pouco da
maconha que trouxera socando-a com um graveto. Uma vez pronto o baseado,
sentou-se na porta do barraco, mirou o infinito e acendeu o cigarro, fumou-o
com tragadas fortes e assovios até se sentir entorpecida. Então, relaxada,
deitou-se sobre os bancos modulados trazidos do helicóptero e adormeceu.
Cenas surrealistas e libertinas se formaram em
sua mente. Via anjos e demônios, garanhões e éguas cruzavam os corredores
sombrios de um castelo gótico. Sentia-se forçada a caminhar em direção a uma
sala onde sua mãe praticava sodomia com anônimo. Beatriz experimentava novas
sensações corporais ao despertar sua libido adormecida. Ela tentou se conter,
queria acordar, mas não conseguia, estava excitada. O traficante que a
desvirginara puxava-a para dentro de outra sala onde acontecia um grande
bacanal. No instante que se sonhava penetrada, a imagem do traficante se transmutou
para a figura paterna, levando-a a sentir um prazer incontível, um delirante
orgasmo, algo que para ela, até aquele momento, era totalmente desconhecido.
Beatriz acordaria em seguida ao orgasmo. A
estranha sensação de prazer deixou-a ofegante e trêmula, imaginou-se acometida
de algum efeito colateral da droga.
Temerosa, foi ao lago para banhar-se. Ainda molhada, caminhou pelo
gramado que margeava o córrego e catou pedaços de madeira e palhas de coqueiros
secas. Retornou à cabana, apanhou o facão enferrujado, cortou em pedaços as
folhas do coqueiro e atiçou a chama da fogueira que findava, ateando-a para
reavivá-la. Não demorou de as folhas secas recuperarem as chamas, e ali,
ansiosa, esperou pelo retorno do pai. Onofre demorava a retornar, Beatriz ajeitou
as poltronas, arrumou-as na forma de uma cama junto à janela da cabana e
adormeceu novamente.
Já era noite quando Onofre terminou de circundar
a ilhota sem encontrar viva-alma. Não encontrou sequer vestígios da presença
humana. Estava esgotado, decepcionado e com fome ao regressar à cabana. Nela,
encontrou Beatriz dormindo sobre a cama improvisada montada junto à janela.
Apesar de exausto, Onofre pegou os peixes guardados sobre a pedra,
atravessou-os um espeto de madeira, molhou os peixes na água do mar e
alimentando os vestígios da brasa, assou-os. Comeu um tanto de um dos pescados,
bebeu outra água-de-coco, guardou o resto junto ao outro pescado na embalagem
aberta de batata frita, lavou-se no córrego, entrou na cabana e deitou-se, encostando-se
na cama, lateralmente, ao lado da filha que dormia.
Beatriz acordou sedenta e faminta durante a madrugada. Tomando cuidado
para não despertar o pai, ela achou e comeu o pedaço do peixe deixado por ele.
Guardou o outro peixe intacto no mesmo saco onde o encontrou, voltou ao riacho,
bebeu água, jogou o lixo fora e foi até
a beira da praia onde sentou.
O dia despontava. Luzes do alvorecer atenuavam a escuridão. Beatriz,
ainda entorpecida, fitava o preguiçoso despertar do sol e ouvia os ruídos da
mata nas canções de grilos, pássaros e sapos. O céu estava lindo. A estrela
Dalva, teimosa, insistia em brilhar. A manhã logo irradiaria novas luzes. No
mar, tranqüila, uma baleia jubarte e seu filhote passeavam soltando vapores ao
respirar. Entopercida, Beatriz imaginou ter visto um Deus negro rasgar as águas
azul-turquesa montado na baleia acompanhado por belas sereias saltadoras.
Rindo de si mesma, ela resolveu voltar ao
interior da cabana. Ao entrar, olhou mornamente o pai. Achou-o muito mais belo
e atraente que antes. O short de tecido fino e elástico colava-se ao corpo
acentuando os contornos físicos e a respiração lenta produzia uma atmosfera de
elegância passiva no dormir. Recordando-se do sonho, Beatriz se viu, novamente,
preenchida por pensamentos depravadores. Um desejo involuntário invadiu sua
alma. Notou-se mulher na mais pura complexidade freudiana. Nunca um homem havia
despertado sensações tão assustadoras e aprazíveis a ponto de vergá-la o
espírito. Nunca imaginou que tal desejo pudesse existir a ponto de atingi-la
com tanta violência. Dentro do entendimento maniqueísta da adolescente, Beatriz
oscilava entre o certo ou o errado, o medo ou desejo e nesse jogo, venceria o
desejo.
Beatriz se deitou jeitosa e cautelosa ao lado do
pai que dormia, como já disse, lateralmente a cama improvisada apoiado com o
rosto sobre o braço dobrado. Beatriz sentia frio. Quis aconchegar-se ao máximo
no pai e ao fazê-lo rememorou o sonho ficando embebida de tesão. O coração
galopava qual os garanhões sonhados, a alma vibrava loucamente, molhara-se como
uma égua no cio. Tremula, ela deitou e se encostou, de costas, no pai até
senti-lo quase por inteiro. Segurando-o pelo antebraço, Beatriz se enlaçou,
tendo o cuidado de pôr a mão do pai para cobrir-lhe o seio. Onofre,
instintivamente, colocou o joelho por sobre a lateral das nádegas da filha e,
ainda adormecido, ajeitou-se forçando um maior contado. Beatriz chegou ao ápice
do desejo. Estava em êxtase, a respiração acelerou, seus batimentos cardíacos dispararam,
as partes intimas se abrasaram. Estava concomitantemente assustada e excitada.
Sentia um crescente calor no latejar do próprio sexo. Ela tocou-se e um
estímulo de culpa e medo levou Beatriz a repetir mentalmente: "Não é meu
pai, não é meu pai,” e mais uma vez, ao
se tocar, espantar-se-ia com outro orgasmo auto-erótico. Aquela experiência mudara-la
definitivamente. Onofre havia se concretizado no ser que proporcionou a maior
experiência sexual já vivida por ela. Apesar de ter havido outras experiências
anteriores com outros homens, em nenhuma delas, Beatriz sentira algo próximo do
prazer vivido a poucos minutos. Ela estava hipnotizada, possuía apenas uma
consciência fugidia e obscura de seu feito. O seu universo perdera o sentido,
estava alienada pelo prazeroso ato incestuoso. Viver Onofre passou a ser um
objetivo. A partir daquele leviano ato, ela passou a acreditar que houve alguma
grandeza em sua ação. Um misto de remorso e desejo a acompanharia paralelamente
por longo tempo. Ela sentia a necessidade empírica de conquistá-lo a qualquer
preço, a qualquer custo. Ter Onofre se tornaria uma obsessão.
Antes do total despertar do dia, Beatriz
desatou-se do abraço do pai e saiu maquinando uma forma de seduzi-lo
verdadeiramente. Queria-o não mais como pai. Queria-o como homem. Andou até a
pedra oval, sentou-se nela e fantasiou possibilidades. Resolveu que esperaria o
pai acordar e agiria.
A busca.
Malaquias
acordou extasiado. Acomodou-se na poltrona próximo a cama e ficou observando
Poliana dormir. Não cria haver conquistado mulher abundantemente linda e
afável. Observá-la trazia satisfação e paz. Queria agradá-la. E por este motivo
solicitou do serviço de quarto um desjejum completo. Exigiu sucos, frutas, pães
e frios sortidos. Almejava o melhor para ela e não se incomodaria em pagar o
preço. Quis como acompanhamento ao desjejum um arranjo de flores. Nele viessem
orquídeas, rosas, jasmins e mais algumas flores do campo que ajudassem o mimo.
Desejava algo delicado e bom gosto. Trouxessem-lhe, também, duas carteiras de
cigarro e uma piteira. Arfara no enlevo amoroso na noite anterior, então
resolvera minimizar os efeitos do fumo. Esperava rejuvenescesse para
satisfazê-la plenamente em todos os aspectos, inclusive nos sexuais. Não que
não houvesse de tê-la satisfeito. Virá-a gemer caprichosa em gozos mas não se
dera por satisfeito. Queria mais. Queria conquistá-la definitivamente.
Enquanto esperava o desjejum foi cumprir as
necessidades higiênicas. Ao se banhar, cantarolou feliz, em voz baixa para não
despertá-la, músicas românticas no estilo bossa-nova. Após se barbear e se
vestir esperou pela encomenda apreciando a paisagem da janela.
Ao lado da cama, o telefone tocou. Malaquias
correu para atendê-lo, porém, não foi rápido o suficiente para impedir que
Poliana acordasse. E, ao despertar, ela se deu conta que o jornal já estava
circulando. Intuiu que o telefonema era sobre a repercussão da matéria enviada
e apalpou o telefone para atendê-lo. E do jeito que estava, sonolenta e nua,
levantou-se lateralmente a cama ao tempo que falava nervosamente no aparelho:
—
Como não publicaram?! (...) Ofensiva?!
Você é o editor chefe. (...) Acima de você só o Onofre que é o dono (...) Não
foi ele? Quem foi o merda que vetou! (...) . Como (...) Telefonarei
imediatamente para ele! Além de você, somente ele tem o poder de vetar um texto
meu (...) De férias?! O filho-da-mãe entra de férias numa hora dessas? (...)
Sumiu? Eu acho aquele filho-da-mãe onde estiver. Por favor, pegue o telefone da
mãe dele, está na agenda, na letra dê (...) Olhe em dona Angélica. (...) Está
na primeira gaveta de minha mesa, na agenda de telefone. (... ... ...)
Obrigada, vou entrar em contato com ela agora mesmo.
Malaquias
assistiu a cena e abanando as mãos pediu calma. Inquietado diante da agitação
da amante, ele tentou compreender o ocorrido:
—
O que houve?... acalme-se!
—
Não publicaram a matéria. Vieram com escusas. Um assessor de meu ex-marido
mandou cortá-la. Argumentou ser prejudicial à economia do País. Querem que me
atenha apenas aos fatos direcionados a área econômica, sem conjecturas ou
insinuações políticas. Dizem que a situação pode piorar se Antônio Palocci
cair... Que desculpa esfarrapada!
—
Calma, Poliana. Fizemos nossa parte. Relaxe!
—
O dono do jornal é meu ex-marido, não o assessor. Vou tentar falar com ele.
Isso não vai ficar assim.
—
É provável que ele mesmo tenha mandado cortar a matéria...
—
Não! Onofre viajou com minha filha. Não foi ele. Foi o sacana que o assessora.
Foi um tal de Apolônio... telefonarei para dona Angélica. Ela me dirá para onde
Onofre foi com Beatriz. Isso não vai ficar assim... ah!, não vai não.
—
Quem é Angélica?
—
Minha ex-sogra. Ela meio caduca, mas não é má pessoa... Telefonarei para ela...
Um minuto... passe-me o celular. Quero por o telefone dela na memória.
Após
digitar o telefone da ex-sogra no celular, Poliana tentava contato com ela
quando o garçom bateu na porta. Ainda nervosa, ela não se deu conta que
permanecia nua e abrindo-a autorizou ao garçom entrar. Malaquias, a vendo
despercebidamente nua, correu para apanhar uma toalha com intenção de cobri-la,
mas tropeçou nas roupas de cama que estavam jogadas no chão e caiu. O garçom
entrou, e ao vê-la nua congelou fitando-a.
— Que maluquice. — Comentou Poliana sorrindo —
Vocês, homens adultos, agem de maneira ridícula diante da nudez feminina.
—
Eu só quis protegê-la... — Justificou-se Malaquias do chão.
—
Certo. — e dirigindo-se ao garçom branqueado ela disse: — pode deixar o carrinho e saia, obrigada.
Ainda manco devido à queda, Malaquias foi até a porta e a fechou. Esperava que
Poliana concluísse a ligação para pedir se vista.
—
Alou! Dona Angélica. É Poliana... tudo bem com a senhora. (...). Não!... não é
Aurora. É Poliana! (...) Não!.. não é Juliana é PO...LI...A...NA... Beatriz
está? (...) Que atriz?, dona Angélica... Eu falei BEATRIZ, minha filha. (...)
Que ilha, dona Angélica. Eu disse filha (...) É minha filha! (...) Foi pra
ilha. Que ilha? (...) Ah! ela foi para uma ilha... Sim! Foi com o pai? (...)
Como? (...) Não! Eu estou em Brasília. (...) Não! Não estou na ilha, dona
Angélica... Estou procurando Onofre. (...) A senhora já falou que ele está na
ilha. Que ilha? (...) Não falei filha! Perguntei em que ilha! (...) Certo, ta
bom, obrigada.
Tapando
com a mão o aparelho, Poliana olhou para Malaquias. Ele sorriu e comparou Dona
Angélica a personagem da velhinha surda do programa "A Praça é
Nossa".
Poliana comenta,
— Surda, surda... Alou? (...) — e continua
falando com a ex-sogra. — Já sabe em qual ilha eles estão? Está certo, beijos,
dona Angélica. Eu ligo para o escritório dele. E assim ela fez: e ao ligar
tomou conhecimento do desaparecimento do ex-marido e filha.
Desligado o telefone, Poliana dirigiu-se a
Malaquias e esclareceu:
— Meu ex-marido e minha filha viajaram para uma
ilha no sul da Bahia. Não souberam me informar qual. Foram de helicóptero e
estão desaparecidos. Por favor, Malaquias, não se oborreça comigo... Agradeço
pelas flores e pelo desjejum. Está tudo lindo, mas estou muito nervosa. Vou me banhar e vou a São Paulo, está
acontecendo algo muito estranho. Pediram minha presença na sede da Jacinto
& Souza S.A
— Posso ir junto?— perguntou Malaquias
inocentemente.
— Sim, se você quiser. Ainda estou meio
confusa... Vou me banhar.
Do hotel partiram e nem terminada a manhã eles
estavam na sede da Jacinto & Souza
S.A, holding que era dirigida por Onofre, o ex-marido de Poliana. Na chegada, apressada, Poliana foi a direção
ao elevador privativo da diretoria, enquanto Malaquias descarregava as malas do
táxi, Poliana tentou passar e passou direto pela recepção e na porta do
elevador foi barrada por um segurança, — a bem do ofício, disse ele, o
segurança. A atitude do mulato forte,
vestido de terno preto e com cara de poucos amigos desagradou Poliana. Ela,
então, de cima de sua prepotência, pensou: "— Quem é ele para barrar uma
acionista?," e se exaltou. O segurança argüiu estar cumprindo seu papel, e
para findar o blablablá sentenciou fixe:
— Sem o crachá, não entra!
A petulância dele acresceu intranqüilidade a
Beatriz. Os dois discutiam dando tempo de Malaquias alcançá-los e tentar
ajuizá-los:
— Vamos Poliana, não é culpa do homem. — mediou
Malaquias — Ele só esta fazendo o que mandam...
— É imponderável esta situação, Malaquias! Eu sou
ex-mulher do maior acionista desta merda. Exijo respeito! — Reagia, Poliana,
crendo-se plena de razão.
— Dona, aqui nós tem que anotá a
identidade pra dêxa entrá, principalmente pra diretoria... Explicou-lhe
o segurança já perdendo a paciência e completou:
— A dona não ta de crachá, ta..?
Suavizando a voz, mas muito nervoso, o segurança
galalau tentou negociar,
— A madame me diz com quem vai falá, eu vô
interfoná, anoto o número da carteira de identidade e a madame pode subi.
Por favor, dona. Vamos pra recepção.
— Vamos, querida. É rápido. — Disse Malaquias
tentando evitar o fuzuê que ocorreria.
— Cale-se, Malaquias, — retrucou Poliana, — Queiram ou não, eu também sou co-participe
desta espelunca.
Neste ínterim, chegou o elevador e, ao abrir a
porta, no plim, Poliana chutou a canela do segurança, entrou de supetão
no elevador e apertou o botão da cobertura... O segurança, pulando numa perna
só, tentou agarrá-la pelos cabelos mas levou um soco dado por Malaquias. O
segurança se virou e reagiu contragolpeando com um cruzado de direita que
acertou em cheio o nariz do oponente, tempo suficiente para o elevador fechar
às portas e subir. Enquanto Malaquias desmaiava, o segurança, vexado, entrou
correndo noutro elevador atrás de Poliana, deixando Malaquias desacordado, na
saleta da recepção. Ao chegar à cobertura, Poliana correu e antes que o
segurança pudesse impedi-la invadiu a sala do principal assessor do ex-marido, o
vice-presidente Apolônio.
Na sala de Apolônio, soltando fumaça pelas
ventas, Poliana colocou as mãos na cintura e, irada, perguntou:
— Onde está minha filha?!, canalha!
— Calma!... mantenha a calma, dona Poliana, a
senhora... — Poliana estava visivelmente perturbada. Apolônio tentava
acalmá-la. O segurança invadiu a sala e segurou Poliana pelo braço e o torceu.
Com um aceno de mão, Apolônio pediu que ele a soltasse e foi atendido.
— Cadê minha filha! — Gritou Poliana novamente ao
se livrar do brutamonte. — Espero que
Onofre não esteja imaginando que ele pode me separar dela. Sei que ele é
poderoso. Sei que ele tem juizes e políticos no bolso... Não me importa! Quero
minha filha ou...
Apolônio interrompeu-a e pediu calma. Então,
tentou explicar a situação,
— Ele sumiu, dona Poliana. Eles foram fazer um
passeio de helicóptero e desapareceram. A Guarda Costeira junto aos nossos
pilotos estão empenhados nas buscas. Por favor se sente, senhora. Desesperar-se
não resolverá nada. Posso chamá-la...
— Vá à merda!, Apolônio. Isso não é hora
para alocuções diplomáticas. Chame-me como quiser... Eu...— Poliana chorava
imaginando ter ocorrido pior.
O segurança ciente do erro e com medo de perder o
emprego os interrompe, pede desculpas, e lembra que ele socou Malaquias.
Chorando, Poliana bateu com a bolsa no rosto do segurança e exigiu satisfações.
O segurança notando os cuidados praticados por Apolônio em atenção a Poliana,
retirou-se e correu para socorrer Malaquias, que a essa altura já se encontrava
medicado na enfermaria do complexo comercial. O segurança chega, pede desculpas
a Malaquias, e o encaminha até a sala de Apolônio. No rosto, Malaquias expunha
a seqüela provocada pelo soco recebido. —
Um dos olhos estava negro, o nariz inchado e tamponado por algodão e gaze.
Ao chegar à sala de Apolônio, Malaquias encontra
Poliana chorosa e Apolônio, transtornado, ele tenta consolá-la:
— Temos muitas esperanças, senhora. Pelo plano de
vôo, ele foi sobrevoar alguns arrecifes em abrolhos. Já sobrevoamos a maioria
deles e não havia destroços à vista o que é um bom sinal. Como o local é muito
perigoso para uma investigação marítima, nós optamos por utilizar buscas
aéreas. Se Onofre estivesse aqui, ele diria: per fas et nefas. Faremos
tudo pelo permitido e pelo proibido. Não descansaremos até encontrá-los, tente
ficar tranqüila... Pessoalmente, acredito que eles têm grandes chances de serem
resgatados. Seu ex-marido e um homem muito inteligente, quase um gênio.
— Quem? Aquele idiota?! Ele... — Poliana volta a
chorar.
— A senhora precisa acalmar-se. Existe outro
assunto muito importante e gostaria que a senhora se preparasse emocionalmente
para enfrentá-lo. Devo lembrá-la que a senhora é herdeira das ações de sua
filha e co-herdeira das ações de Onofre. No caso de o pior acontecer,
tornar-se-á a maior acionista das empresas do holding.
Malaquias interferiu,
— Não há no mundo valor monetário que suprima a
dor da perda de um filho. Disso eu sei. Vou achá-los para você, querida. Nem
que seja a última coisa que eu faça na vida.
Ainda chorando, Poliana segura na mão de
Malaquias e olhando para o rosto dele quebrado em sua defesa, abre o coração:
— Nunca imaginei um homem como você, Malaquias.
Um estranho que está sendo mais amigo do que o mais próximo de meus mais
antigos amigos. Estou contando com você. Gaste o quanto for necessário mas, por
favor, traga minha filha de volta.
— Eu a trarei. Confie em mim. — Virando-se para
Apolônio, Malaquias pediu,
— Leve-me à sala do doutor Onofre.
— Lá, você não encontrará nada. — Respondeu-lhe
Apolônio.
— Assim mesmo.Leve-me até à sala de Onofre, por
favor. — Insistiu Malaquias.
— Leve-o logo, Apolônio, por favor. — Poliana
pediu tentando conter as lágrimas.
— Certo, senhora, farei o que pede, mas gostaria
que me esperasse aqui, temos que conversar. Alguns dos diretores estão
procurando meios de substituir definitivamente a direção dos negócios. É muito
importante conversarmos o quanto antes.
— Eu espero. Leve-o logo.
Atendendo ao pedido de Poliana, Apolônio conduziu
Malaquias até à sala de Onofre,
— Pronto, senhor? É esta à sala dele.
A sala era imensa, tinha aproximadamente 60
metros quadrados. O piso e o rodapé eram de mármore negro, as paredes pintadas
de branco com pé direito com 3 m de altura. Na parede do fundo, existia um enorme
monitor de plasma, com quase 1,8 metro de altura por 3,0 metros de comprimento
ligado a um computador por ondas eletromagnéticas. O computador ficava no canto da sala em
posição lateral á parede do lado direito de quem entra. Em frente à tela tinha um
tabuleiro de xadrez com 0,5 metro quadrado, confeccionado em acrílico
translúcido negro sobre um pedestal do mesmo mármore do piso. Sobre o
tabuleiro, distinguiam-se peças de xadrez, metade prateadas ou de prata, a
outra metade douradas ou de ouro, estavam arrumadas sobre o acrílico frisado
por linhas douradas ou de ouro. Do lado esquerdo da sala, mais ao centro,
ficava uma mesa de aço escovado com tampo de vidro rubi, sobre ela uma
escultura em bronze mostrava a figura do Imperador Napoleão Bonaparte, montado
num cavalo, com a espada desembainhada. Mais ao lado, uma cadeira preguiçosa de
aço cromado com acolchoamento forrado de
couro enegrecido. Atrás da mesa, fixado na parede, um enorme quadro, abstrato,
multicolorido, emoldurado também de aço escovado, combinando com os móveis. O
quadro era assinado pelo Artista Plástico "De Malaquias".
— Obrigado, Apolônio. Tenho como ter acesso ao
computador?
— Basta apertar um pequeno botão na marquise,
fica do lado direito.
Malaquias foi ao tabuleiro de xadrez e apertou um
botão do console. Na tela, surgiu um pedido de senha. Apolônio perguntou,
— O senhor vai ficar? Tenho coisas importantes a
tratar.
— Não... Todo este aparato é só para brincar? —
Perguntou Malaquias olhando a escultura do imperador.
— Onofre é um gênio. Um estrategista imbatível.
Um dos maiores corretores de ações e negociadores num mundo. Um homem que o
senhor jamais entenderia. — Responde-lhe
Apolônio desdenhando do visitante. Malaquias sentiu o menosprezo de Apolônio,
olhou o quadro e o reconheceu. Em tom de
ironia, rebateu,
— O melhor dentre os melhores e mais alguns...
— Não duvido. — Apolônio confirmou sê-lo, sem
entender a ironia.
— Vamos? Vou precisar de uma copia dos planos de
vôo. — Solicitou Malaquias.
— Vou providenciá-lo. — Prometeu Apolônio ainda
sisudo com a interferência do desconhecido visitante.
De volta à sala, Apolônio sentou-se em sua mesa,
Malaquias agachado junto a Poliana tentou consolá-la. Após alguma espera a
secretária entregou a Malaquias à cópia do plano de vôo traçado por Onofre e o
mapa com a movimentação do grupo de resgate. Malaquias cochichou algo no ouvido
de Poliana, ela bateu a cabeça afirmativamente, então ele pediu licença a
Poliana e saiu. Malaquias estava convicto que os encontraria os náufragos. Pelo
mapa, ele reconheceu a área do desaparecimento. Como não viu nele qualquer
indicação das ilhas protegidas pelo IBAMA, teve uma forte intuição. Acreditou
que Onofre pousou numa daquelas ilhas e ficou preso por algum defeito na
aeronave. Então, buscou na recepção pelo segurança com quem havia brigado. Foi
informado que o segurança seria demitido e que acertava as contas no
departamento de Recursos Humanos. Sendo acompanhado pelo porteiro substituto,
Malaquias foi rápido ao departamento aludido. Lá, encontrou o segurança sentado
no sofá a espera da burocracia necessária para sua demissão. Aproximando-se
dele Malaquias o interpelou.
— Gigante, levante-se. Vou precisar de sua ajuda.
— Ordenou Malaquias.
— Fui demitido, doutor. — respondeu-lhe, humilde,
o segurança.
— Não foi não. Você acabou de ser escolhido para
me acompanhar. Receberá, se aceitar, um aumento de 100% e será promovido.
— Ta me gozando, doutor?
— Não sou homem de brincadeiras.— Malaquias olhou
à secretária que escarnava as unhas, e perguntou:
— Senhorita, por favor, providencie suspender a
demissão?
A secretária fingiu não ouvi-lo.
— A
senhorita escutou o que acabo de dizer? — Perguntou Malaquias educadamente.
Continuando com a escarnação das unhas, a
atendente fez careta e continuou negando-lhe atenção. O segurança interferiu,
— É esse
aí o namorado da dona que mandou me demitir.
De imediato a secretária guardou o alicate,
ajeitou-se na cadeira e disse que sim, vou providenciar.
— Providencie. — Ordenou, Malaquias, áspero.
Sim, doutor, desculpe-me eu...
Antes que ela terminasse a frase, Malaquias e o
segurança já haviam saído da sala indo as escadas.
— Como você se chama, gigante?
— José. José de Ribamar. Mas pode me chamá
de Zé de Riba.
— Tem medo de água, José.
— Nasci numa ilha, doutô... Nasci na Ilha
de Itaparica. Agente morava em Mar Grande. É uma cidadezinha que dá de testa
com Salvador na Bahia. O doutô conhece?
— Itaparica? Eu conheço à Ilha de Itaparica quase
toda, Mar Grande, Itaparica, Penha... Ilha onde mora João Ubaldo Ribeiro.
— O escritô!? Apôis eu conheci o escritô.
O povo de lá gosta muito dele... é gente fina... Mudando de assunto, doutô. Pra
que é que o sinhô me contratou. Nada de matá nem robá,
espero. Quando a esmola é grande o Santo desconfia.
— Vamos resgatar seu patrão, ele desapareceu...
— Nós acha ele, doutô. Até que seja
o defunto, doutô. Nós acha.
— Estou mais preocupado com a menina...
— Boa menina, doutô. Um belezura de
menina. Qual o nome do doutô?
— Malaquias... Chame-me de Malaquias. Você tem um
soco possante, José. A porrada está doendo até agora.
— É trêno, né, doutô. Peço
desculpa,... mas... o doutô bateu primeiro.
— Mas valeu! Apesar da dor, seu soco me ajudou a
conquistar à simpatia da mulher que desejo. Peço desculpas a você também...
— Vamos esquecê, doutô. Dêxa
isso pra lá.
O segurança se ensoberbece, mas guarda o orgulho
em seu imo. Chegados à recepção, enquanto José conversava com o porteiro que o
substituíra, Malaquias interfonou para Poliana,
— Querida. (...) Estou de partida para
Bahia.(...) Sim! Aceite os conselhos de Apolônio, ele é um puxa-saco, mas não é
burro e me pareceu ser fiel a seu ex-marido.(...) Beijos, beijos... Confie em
mim. Tchau, minha rainha.
Andando em direção a José, Malaquias perguntou,
— Tem medo de avião, José.
— Tenho, não, doutô. Quem tem Olorum como
guia não tem medo de nada.
— Vai precisar de alguma coisa antes de partir.
— Tenho que passá em casa pra avisá
a patroa, dêxa o tutu com ela e pegá roupa.
Entardecia quando eles partiram para a casa de
José. No caminho, Malaquias parou num banco e retirou uma substancial quantia
de sua conta pessoal. Depois seguiram até o subúrbio onde morava o segurança.
Eles desceram do táxi na entrada da favela.
Passaram por várias vielas antes de
chegarem à casa de José. Na porta do barraco, adolescentes armados o cumprimentaram
desconfiados. Temeroso, Malaquias perguntou,
— Drogas?
— São sacis. Assaltam pra comprá craque...
Mas pode ficar tranqüilo, doutô. Não vão bulí no sinhô
enquanto estivé comigo.
— Estou carregando um bocado de dinheiro.
— Podia ta carregando ouro, doutô.
Ao chegarem no
barraco, foram recebidos por dona Elaine, mulher de José, apelidada por ele de
Lana. Lana era uma negra de sorriso claro, olhos da cor de caramelo, corpo
mignon e um rosto de fazer inveja as mulheres das redondezas. Destaca-se nela,
além da alegria, os cabelos trançados minuciosamente e cortados à altura da
cintura.
José caminhou até
o fundo do barraco de único vão, apanhou um bule, pôs água e colocou no fogo.
Elaine foi até ele e sussurrou algo em seu ouvido, José lhe respondeu algo
inaudível a Malaquias, enquanto punha o pó de café no bule. Elaine apanhou uma
mochila no guarda-roupa e assentou as peças de vestuário do marido
enquanto buscava maiores informações,
— Vai pra onde, nêgo?
— Não sei não. Vô
com o doutô.
— Quanto tempo
vai demorar?
— Não sei, Mulé...
Pergunte pro doutô?
— O tempo
necessário. — Responde-lhe malaquias. — Mas não se preocupe, senhora. Trarei
seu marido de volta inteirinho.
Dirigindo-se ao
marido Lana avisa,
— Nêgo, o
gás ta pra acabá.
Malaquias
observava uma foto do casal, emoldurada em dourado, pendurada na parede ao lado
de uma estatueta de São Jorge transpassando uma lança num dragão. Na foto, o
casal pousava abraçados, vestidos carnavalescamente, ao lado do Cristo
redentor. Virando-se para Elaine, Malaquias retirou do maço de dinheiros R$ 3
mil reais e o entregou à mulher. Contando as cédulas, Lana exclamou,
— Vixe
Maria, nêgo! Robô um banco?
— Se assunte, mulé.
Sou lá home de robá...
— Eu sei, meu nêgo.
É que o doutor me deu uma dinheirama que dá pra agente comprar outro barraco...
Já sei... nêgo! Você vai revidar a surra que o doutor levou... Bela
porrada, doutor. Quem deu?... Senta aqui que eu ajeito.
Malaquias não
respondeu a pergunta. Sentou-se na cama encostada à parede. A mulher colocou o
dinheiro, dobrando-o, dentro do sutiã, foi ao quintal, apanhou um punhado de
matos, voltou-se para a pia e, num pilão, amassou as ervas, retirando-lhes o
sumo. Misturou as ervas maceradas com um pouco de óleo de girassol, espremeu,
com a mão, as folhas, deixando escorrer por entre os dedos um caldo oleoso de
matiz esverdeado de volta ao pilão. Indo até Malaquias, após destamponá-lo, ela
espalhou com o dedo mindinho o ungüento nos ferimentos do paciente
explicando-lhe,
— É mastruz,
hortelã-pimenta, confrei, cravo e alfazema que é pra dá cheiro bom. Logo, logo,
o doutor vai fica bom... Bela porrada!, doutor.
Malaquias
inspirou, profundamente, antes de expirar e sentir o aroma adocicado
aliviando-lhe a respiração e amortecendo a dor.
José foi até a
mulher, entregou-lhe um caneco de café, retirou o dinheiro de debaixo do sutiã
o dinheiro, contou nota por nota, separou trezentos reais e quis devolver o
restante para Malaquias, junto a outro caneco com igual medida de café.
Explicando-se disse não ter como ressarci-lo daquela quantia. Malaquias segurou
o caneco e rejeitou as notas e disse,
— Esse aí, é um
extra. É a fundo perdido... Presente meu? Não tenho idéia do tempo necessário
para encontrarmos os desaparecidos. Guarde o dinheiro, José. E faça bom uso.
A mulher, sorridente, mostrou a palma da mão
ao marido. José pegou R$ 500,00 reais e entregou o restante do dinheiro a Lana.
Ela repôs as notas no sutiã, apanhou o pilão e o levou com os outros canecos
vazios para a pia. Apanhando a mochila, o segurança beijou calorosamente a
mulher e se despediu.
José e Malaquias
partiram rumo ao aeroporto.
Enquanto isso, no
escritório, Poliana aceitou a ajuda de Apolônio para tentar interferir na
investida que alguns dos acionistas pretendiam arquitetar para obterem o
controle político do holding, sob a liderança do concunhado do ex-marido.
Do aeroporto,
Malaquias e José partiram para Ilhéus, na Bahia. Escala do trajeto para
Alcobaça. Última parada definida no plano de vôo de Onofre, antes do par haver
desaparecido no mar.
Na ilha
Onofre ainda dormia. O sol lançou seus primeiros
raios sobre Beatriz. Ela continuava disposta a enfeitiçar o pai de qualquer
maneira, e nesse intento, retirou à parte superior do biquíni e foi banhar-se
no riacho ao lado do casebre. Esperaria, como estava, até ser vista seminua. Os
seios de tamanho médio, firmes, lindamente formados, frisaram os bicos com o
frescor da manhã. Ela queria-os assim, escurecidos, contrastando com o branco
da pele, conseqüência do interpor do sutiã aos raios do solares.
Beatriz planejou: manter-se-ia no córrego até que
o pai acordasse e a descobrisse de encantadora beleza. Ela estava disposta a
utilizar-se de todos os recursos possíveis para aliciá-lo. Sabia-se mulher e,
como mulher, seduzir lhe era nato. Lembrou-se que se divertia levando os
pretendentes à beira da loucura. Só que agora, ela carecia de conquistá-lo. Era
uma necessidade insana de temíveis conseqüências. Mas para ela, pouco
importava. Acreditava-se perdida, irremediavelmente perdida. Queria viver tudo
o que pudesse o quanto antes. Acreditara no entendimento de vida amoral do
namorado traficante de que nada importava. Ele, o traficante, dizia-se de
ânsias infinitas, de valores pragmáticos e discursava:
"— A vida é curta, curta tudo que
queira e faça o que for preciso para obter seus objetivos. O fim é o mesmo para
todos, a morte. Todos são hipócritas, desumanos, escravagistas, então, seja
também. A humanidade fede!.. Minta, engane, roube... se necessário, mate!... O
que importa? Quem se importa? Foda-se o País!, a família!, foda-se a moral!, a
ética!, foda-se o mundo!"
Beatriz planejou esperar o sol raiar de todo
para gritar e acordar o pai. A artimanha
funcionaria. Onofre acordou, levantou-se e olhou pela janela. No início não
reparou na seminudez da filha, preocupou-se em saber se estava tudo bem.
Depois, notou-a seminua banhando-se no córrego. Aos poucos foi visualizando as
transformações que a natureza lhe proporcionara e observou-a mais
cuidadosamente. Desta vez, olhou-a como nunca ousou olhá-la e se apetitou da
beleza que a seminudez juvenil proporcionava. A princípio se forçou a
ignorá-la. No entanto, permaneceu observando-a da janela. Analisou-a,
meticulosamente: cada curva, cada reentrância, cada volume, cada movimento de corpo da ninfeta.
Matreira, Beatriz sentou-se nas pernas, dentro do
córrego, em frente ao pai. Apanhou um punhado de água com as mãos em forma de
cuia. Elevou tronco e braços deixando a água escorrer sobre sua cabeça para
acompanhá-la, com as mãos, sobre seu corpo esguio e torneado. Ao notar ser
dominadora da total atenção do aliciado, novamente, curvou-se. Mas, desta vez,
enfiou a cabeça no riacho dobrando-se para frente e num movimento de arremesso
se esticou jogando a cabeça e o tronco para trás, para que assim os longos
cabelos molhados pudessem voar em leque e a musculatura se contraísse até à
doce curva e deixasse à vista o balançar das mamas firmes de menina lasciva. Ao
recobrar posição, ela notou o olhar fixo do pai em seu brincar. Com um sorriso
leve e faceiro, enchendo as mãos com areia fina do riacho, espalhou-a suavemente
pelo corpo, dando-se ao trabalho de alisar mais demorada e delicadamente os
próprios seios.
Onofre ficou hipnotizado, não conseguia parar de
fitá-la. A luz do sol brilhou nos reflexos das gotas d’água arremessadas ao ar
dando ao ambiente tom pictórico.
Beatriz gritava e sorria maliciosamente.
— Pai, venha!.. A água está maravilhosa. Venha!
Venha, paizinho...
A visão da seminudez de Beatriz atingiu Onofre. A
tentação tocava no cerne do homem. A princípio, ele vacilou, pensou em recusar
o convite ao banho, todavia, crendo inocência por parte da filha, terminou por
aceitá-lo. Por medo de si ou de reações inesperadas, Onofre refletiu como
evitar contatos táteis. Porém, ao entrar-se na água, Beatriz já havia
premeditado estratégias de fuga, se jogou encima dele impedindo-lhe o recuo
planejado. E, de modo proposital, roçando-se-lhe os seios nus, fê-lo sentir o prazer de cada toque de suas
carnes quentes e tenras. Onofre tentou esquivar-se, porém, ela, segurava-o com
as mãos e puxava-o com força desequilibrando-se, Onofre caiu de costas na água.
Aproveitando-se do ocorrido Beatriz se atirou sobre ele beijando-o por todo o
rosto, enquanto, fingindo brincar, esfregava-se-lhe por entre as pernas dele
com suas grosas e sedosas coxas. Repentinamente o incutido desejo lhe vem de
assombro em estímulo. Ainda fingindo-se inocente, Beatriz apertava-se contra o
corpo do pai até o limite de sentir por entre as cochas a ereção incontida.
Naquela fração de minuto, Onofre a empurrou refreando-se de seus impulsos e
retomou a razão. Desvencilhando-se de Beatriz, alegou afazeres importantes e
imediatos. Correu para a choça evitando mostrar sua inquietante situação e
começou a rezar, na inútil tentativa de suprimir o crescente desejo:
"Nenhum homem se chegará àquela que com ele tenha proximidade de sangue,
para descobrir a sua fealdade... Pai nosso... que está no céu..."
Beatriz antevia que enfrentaria resistência,
porém, acreditou que implantava no pai,
aos poucos, o apetite da paixão carnal. Tinha fé que não demoraria a dobrá-lo
em espírito, e assim, terminaria por conquistá-lo totalmente.
Da janela da cabana, Onofre disfarçava o olhar para puxar assunto:
— Filha. Vou explorar a ilha. Quero ver se
encontro frutas naqueles matos. Espere-me aqui. Não vou demorar.
— Pode ir pai. Vou arrumar a cabana e dar uma
olhada em volta.
— Tudo bem, mas se vista e não vá para longe.
Pode aparecer alguém.
— Não vai aparecer ninguém, pai. Você mesmo disse
que estamos a sós.
— Mesmo assim, filha. Se vista.
Onofre sai em busca de alimentos ou de possíveis moradores margeando o
rio. Andou lutando contra pensamentos pecaminosos que lhe invadiram o íntimo.
Não creditou maldade à filha, impôs-se a culpa pelo ocorrido e mais uma vez se
refreou.
Depois de uma hora e meia de caminhada, Onofre
chegou a um lago. Próximo à margem, em meio a uma plantação de bananas, ele
avistou uma pequena casa de alvenaria. Do fundo da casa saía uma fumaça branca,
densa, para ganhar o céu num filete oscilante até esvaecer-se, gradativamente,
enquanto alçava o céu. Acreditando-se salvo, ele andou apressado em direção à
casinha amarronzada procurando por um alguém que pudesse socorrê-los. Já
próximo, gritou na esperança de resposta e nada. Continuou andando até chegar à porta da frente, de onde percebeu
não existir ninguém nas redondezas. Assim mesmo, a descoberta o entusiasmou.
Seguiu ladeando a casa em busca da fumaça que subia. No quintal, próximo à
cisterna e junto à porta detrás, um fogareiro aceso queimava um resto de lenha.
Gravetos enfiados no chão despertaram-lhe curiosidade por estarem amarrados a
cordões, presos a pedaços de papelão, onde estava grafada a mão diversas datas.
Pouco adiante, pé de bananeiras carregadas, com frutas maduras, encheu-lhe a boca
de saliva. Ajeitando os cabelos com as mãos, Onofre, mesmo não esperando
encontrar vivalma, foi até a porta dos fundos e bateu buscando resposta.
Ocorreu de a porta estar aberta, e pedindo licença a ninguém, ele foi entrando.
Era uma casa de quatro cômodos; cozinha, banheiro, sala e quarto. Onofre
percorreu o recinto cautelosamente, preocupava-se em não assustar possíveis
moradores, porém, o ambiente estava desabitado.
No quarto, afora uma cama de casal, havia um
criado mudo e sobre ele um candeeiro. Na cozinha, além do fogão de lenha, um
pequeno armário que guardava pratos, talheres, roupas-de-cama, alguns
mantimentos e junto ao fogão tinha um punhado de lenha cortada para uso. Na
sala, apenas um sofá de três lugares com o forro bastante desbotado. Onofre
sentiu alivio com a descoberta, para ele, aquele pequeno lar era como um
castelo. Ficou feliz e confiante, acreditava que alguém teria de morar naquela
habitação, em sendo assim, com certeza, o ajudaria. Ao sair, ansioso para levar
à notícia a Beatriz, apanhou um cacho de banana e retornou correndo para
reportar sua descoberta.
Logo após a saída de Onofre, e durante sua ausência, Beatriz, acendera
um outro cigarro de maconha. Enquanto fumava-o pensou se devia contar ao pai o
que descobrira ao ouvir, escondida, a conversa entre sua mãe e a vizinha.
Resolveu que não, queria testar-se e a ele. Essa situação por mais doentia que
fosse, excitava-a ainda mais. Sentindo fome. Levantou-se fazendo bico e
cuspindo tiquinhos do fumo que havia grudado em seus lábios. Apanhou o saco de
batatas fritas e nele encontrou o peixe. Comeu-o parcialmente, guardando o
restante. Batendo uma mão na outra para limpá-las, livrou-se das pequenas
escamas. Apanhou os acentos trazidos do helicóptero e improvisou, mais uma vez,
uma cama. Desta vez, colocou-a em frente à porta da cabana para receber a brisa
marinha. O cheiro do pescado havia impregnado suas mãos. Ela voltou ao riacho,
banhou-se novamente, e depois de volver ao barraco, resolveu trocar o biquíni
por um baby-doll branco, transparente e muitíssimo curto. Enquanto se trocava
lhe tentou a idéia de expor-se de maneira total e sem pudores. Queria assistir
a reação paterna, mas se lembrou ser o mistério apelo à sedução e deveria ser
revelado gradualmente, sob pena de tornar-se coisa comum. E por esse motivo,
vestiu uma calcinha branca, quase transparente. Esperaria por Onofre assim, de
baby-doll e calcinha, mas, sentindo-se sonolenta, acomodou-se e, acalentada
pela suave brisa marinha, dormitou. Pouco tempo depois de Beatriz cochilar,
Onofre chegou festivo, carregava o cacho de bananas. Estava ofegante devido à
caminhada vencida apressadamente. Ao entra na cabana e vê-se frente à Beatriz
dormindo e expondo-se seminua, fê-lo espantar-se. Aquela visão o atingiu
sobremaneira. Era uma imagem generosamente ofertada ao deleite visual de
qualquer homem. Outra vez, quis abrandar-se e sair. Depois, pensou em acordá-la
e obrigá-la a vestir-se. Olhando-a voluptuosa, pensou em tocá-la, também
desistiu. Novamente se reprimia. Ficou parado, admirando-a. A camisola se enrolara
e subira até a altura da cintura, estava emoldurada pelo baby-doll o que
Onofre, em seu íntimo, desejava inconscientemente. Ele se sentiu indigno ao ser
torturado pelo apetite da carne. Não conseguia parar de observar formas tão
suaves e cativantes. Queria fugir, mas não arranjava forças. Queria fechar os
olhos, mas negava-se. Queria possuí-la, mas acreditava impossível. — Hormônios
contra razões. — Imaginando-a inocente,
pensou no que ela ajuizaria se soubesse que ele, seu pai, a desejava
sexualmente. E se ela imaginasse da paixão avassaladora que de maneira
sobreinteligível lhe consumia o espírito. Desdisse da lei da física que o tempo
não para. Via-se ali o tempo parado. Sabia que Deus tudo vê, tudo sabe. Sabia
das mulheres e dos homens que, sem rédeas, não se negavam ao prazer houvesse o
que houvesse. Retumbava-lhe na alma a frase lida e relida na revista evangélica
e novamente rezou: “—Livrai-me ó Deus, das tentações e dos sepulcros da
concupiscência. Não se farão fruir as mães pelos filhos ou as filhas pelos
pais. E aí daquele que mal fizer a própria prole. Almas perdidas que queimarão
nas chamas eternas do inferno”. Onofre se disse baixinho, murmurando parte de
um texto que memorizara do livro de Dante que herdara do avô — “...das vitórias
sobre os perigos, a primeira é o da vontade sobre o corpo. Se o que disse te
aproveita, demonstra-o". Ainda mirando o corpo da belíssima jovem, resmungou algo como: "a filha-da-puta é
mais gostosa que a mãe," e saiu. Caminhou pela margem do córrego até o
arbusto onde se trocara e, cheirando a peça de baixo do biquíni ali largado,
machucando-se, masturbou-se violentamente até ejacular sua impureza, seus
pensamentos de fornicação, sua paixão pecaminosa.
Onofre buscou em si o ponto de equilíbrio, estava
só, não havia mais ninguém com quem contar. Deus brincava com sua vontade,
divertia-se a suas custas, testava-lhe a fé.
Onofre, depois de limpar-se, se trocou. Vestiu a cueca e a calça jeans,
lavou a bermuda retirando-lhe as marcas do alívio e estendeu-a ao lado do
biquíni, amarrotado, sobre a pedra oval. Novamente, ele entrou na cabana,
apanhou o material de pesca e saiu tendo o cuidado de não acordar Beatriz. Da
porta, olhou-a mais uma vez. Admirou novamente a fonte de seus desejos na formosura
de suas carnes. Contudo, já não se sentia queimar. Sentia sim, um angustiante
remorso e um tremendo ardor em suas partes. Onofre sabia que não pecara pelo
ato. Pecara pelo desejo incomensurável e novamente orou: "Em ti, Senhor,
confio; nunca me deixe confundido. Livra-me depressa; sê a minha firme rocha,
uma casa fortíssima que me salve. Tem misericórdia de mim, ó Senhor, porque
estou angustiado. Consumidos estão de tristeza os meus olhos, a minha alma e o
meu ventre. Minha força descai por causa da minha iniqüidade. Não me deixeis
confundido, Senhor, porque te tenho invocado e confiei em ti, Senhor, e digo:
Tu és o meu Deus"... Findada a oração, saiu para pescar.
Enquanto isso na Jacinto & Souza S A.
Poliana
ficara na sala esperando o retorno de Apolônio. Queria saber quem proibiu a
publicação da matéria que redigira a quatro mãos de Brasília. Malaquias saíra
com o segurança à caça dos náufragos. No retorno de Apolônio à sala, ela o
questionava;
—
Quero saber porque minha matéria não pode ser publicada.
—
Não sei. Nem sequer a li. É provável ter sido decisão de João Salim, a mando de
Alfredo Salim, seu concunhado.
Nunca
fui com a cara dele. Já tentou seduzir-me, ele não presta.
— Alfredo Salim, junto a alguns acionistas estão
tramando para poder assumir o controle político da empresa. Querem
aproveitar-se das férias de seu marido para dar o golpe. O desaparecimento de
Onofre facilitou tudo. Seu marido corre risco de...
— Ex-cunhado e ex-marido, por favor...
— ... seu ex-marido, certo... pode perder o
controle político do holding. Alfredo Salim adquiriu às ações de dois dos
diretores assim que doutor Onofre viajou e os afastou. Somando essas ações com
as que ele já possuía soma 21% delas. E
como às ações de Onofre são divididas entre ele, à senhora e a menina...
— Isso só em caso de morte. E eu não quero nem
especular sobre o assunto...
— Não senhora! As ações são nominais e eu mesmo
as preenchi, estão no cofre. A senhora tem 15% das ações ordinárias com direito
a voto. A menina mais 15% e Onofre 21%. Além disso, ele depositou 5,5 bilhões
de dólares...
— Cinco bilhões e meio!? e de dólares!? Meu
Deus...
Poliana embranqueceu. Levantando-se abismada,
andava de lés a lés em frente à mesa de Apolônio. Quando se separou, recebera
apenas R$ 200.000,00 reais e o apartamento que morava de 4/4 mais uma renda
mensal de R$ 8.000,00 a título de pensão alimentícia. — Tudo de acordo com as
normas preestabelecidas pelo contrato pré-nupcial. — Nunca imaginou que o
ex-marido tivesse 5.5 bilhões de dólares... Ela estava pasma.
—...Sim, senhora. 5,5 bilhões no BankBoston.
Onofre enviou a quantia para offshore de nome Trizbia, e
me autorizou a dizê-la, em caso de emergência, que o dinheiro estaria
disponível para a senhora fazer uso dele como lhe conviesse. Se a senhora
desejar repatriar o capital tomarei as providencias. Onofre já havia previsto
algum ato predatório por parte de Alfredo Salim e não quis deixá-las a
descoberto.
Quando tensa Poliana costumava falar andando de
um lado para o outro.
— Onofre deixou o número da conta?
— Ele disse que a senhora saberia.
— Como saberia? Ele não me passou número algum...
— Ele mandou dizer "foi o terceiro dia mais
feliz de minha vida". Lá da vida dele, é claro.
— Filho-da-puta... Ele é um sacana... Sim! Eu sei
o número da conta.
— Se mal não lhe fizer, posso perguntá-la por que
o terceiro dia mais feliz?
— O primeiro foi quando o coronel, o avô dele,
morreu. O segundo, o dia do nascimento de Bia, o terceiro eu não posso dizer...
é constrangedor... Ele é um filho-da-puta. — Poliana sorria e repetia
sucessivamente o xingamento, ainda andando, até ser interrompida por Apolônio.
— Como eu lhe explicava, senhora. O Alfredo Salim
ficou sendo o maior acionista individual com direito a voto, então, reuniu o
conselho de diretores e assumiu o controle. O primeiro lugar que ele impôs
autoridade foi justamente no jornal, que por acaso é a única empresa
deficitária do conglomerado. Ele demitiu
Nogueira e colocou o sobrinho, João Salim, como chefe de redação. Acredito que
ele queira lhe derrubar.
— Demitiu Nogueira. Mas Nogueira é um excepcional
jornalista, principalmente na linha editorial do jornal. Deixe-o por minha
conta. Leve-me à sala de Onofre.
Apanhando as chaves, Poliana foi à sala do
ex-marido acompanhada por Apolônio, puxou a cadeira até o tabuleiro de xadrez e
o ligou. O computador pediu senha. Discreto, Apolônio saiu. Ela digitou Beatriz.
A máquina rejeitou a senha, apareceu na tela o número 60 que entrou em contagem
regressiva 59...58...57... Beatriz pensou rápido e digitou Trizbia, novamente o
computador rejeitou 22...21...20... numa última tentativa ela reparou sobre o
vidro da mesa uma estatueta de bronze com o francês, montado num cavalo, usando
um chapeuzinho ridículo, empunhando com uma das mãos uma espada e a outra mão,
enfiada sob o casacão. Na fração de segundos finais, ela digitou: Napoleão.
Como mágica a tela se iluminou e mostrou uma lista de nomes em ordem
alfabética. Poliana pensou em elucidar as CPMIs clicando nos nomes dos diversos
políticos, mas preferiu que não, então, utilizando-se do pequeno teclado ao
lado do jogo de xadrez, ela correu o cursor até o nome de Alfredo Salim e
apertou a tecla Enter. O tabuleiro de acrílico se acendeu e apareceram
opções de jogadas informando peças e possíveis colocações das mesmas. Ela optou
pela saída costumeira do ex-marido. Colocou o cavalo em frente do peão que
cobria o bispo. O computador fez às vezes do jogador adversário indicando no
tabuleiro: Peão duas casas saído de frente da Rainha. — Após a jogada executada
pelo adversário eletrônico, apareceu na tela possíveis estratégias de operações
para conquistar o controle acionário do holding e a cada jogada que seria de
Onofre, estratégias e táticas para bloquear as atitudes predatórias. —
Sabendo-se não ser expertise em xadrez ou em estratagemas, Poliana ficou
temerosa, porém, ao perceber no canto direito da tela, em vermelho, a palavra:
dossiê. Ela conduziu o cursor até a palavra e novamente teclou no Enter.
Surgiu no monitor uma lista de nome e ela clicou sobre o nome Alfredo Salim.
Ali estavam detalhadas todas as falcatruas do cidadão, suas maneiras de agir,
suas qualidades e defeitos profissionais, seus contatos com políticos e
empresários nacionais e internacionais, seus inimigos e aliados. Contudo, o que
mais lhe despertou atenção, por estar grafado em negrito, foi o substantivo Fraqueza.
Ao clicar sobre o termo fraqueza, apareceram às palavras: Caráter e
Mulheres, com grifo em mulheres. Quando ela clicou em mulheres, Poliana
descobriu que a secretária de Alfredo Salim era uma prostituta francesa que
trabalhava como espiã para Onofre, recebendo, dele, polpuda remuneração. Muitas
outras informações estavam listadas, incluindo nomes de modelos, atrizes,
secretárias, funcionárias da matriz e subsidiárias, além dos casos
extraconjugais ocorridos com mulheres de inimigos, amigos, parentes e
desconhecidas. Tudo com datas, fotos etc. Da lista lhe chamou atenção o nome da
mulher de João Salim, o sobrinho que fora colocado à frente do jornal que
trabalhava. O nome dela também constava como pretensa conquista.
Desligado o cérebro eletrônico, Poliana sorriu
confiante. Retornou à sala de Apolônio. Ele, nervoso, lia o jornal Negócios
& Bolsas que estampava na primeira página: "MEGA- EMPRESÁRIO SOME NO
MAR".
Poliana entrou na sala e perguntou:
Apolônio, se você estivesse no lugar de Alfredo
Salim, o que você faria para tomar o controle do holding.
— Alfredo já está agindo, senhora. O primeiro
passo foi divulgar o desaparecimento de Onofre. A prova é a manchete do jornal
onde a senhora trabalha. — Ele entregou o jornal diário a Poliana — Posteriormente, acredito que ele colocará um
certo numero de ações a venda com preço abaixo da cotação de mercado. Depois
divulgará boatos através dos jornais noticiando a queda no valor das ações.
Este ardil provocará medo nos pequenos e médios acionistas. É quase certo que
ocorra uma corrida para vendê-las antes que o preço caia ainda mais. Quanto
mais ações disponíveis para venda, menor o preço delas. É a famosa lei de
mercado. Quando atingir o valor que ele espera, ele irá comprá-las por
bagatela. De posse dessas ações, ele as venderá para uma empresa americana que
tem interesse no controle acionário do holding. O único problema dele, é que
aos Norte-Americanos só interessariam se detiver o controle do holding. Mas,
mesmo que eles não comprem, Alfredo Salim lucrará milhões. Por outro lado, com
o sumiço de Onofre, uma vez que a lei exige um tempo razoável de espera para
admitir a morte de pessoas desaparecidas, Alfredo Salim vai mandar e desmandar.
E, além do mais, caso aconteça o pior. Sua ex-cunhada seria beneficiaria com
parte dessas ações. Está tudo contra nós.
Poliana sorriu. Apesar de não saber como
vencê-los no intrincado jogo dos altos negócios, ela dominava o jogo da
sedução. Então, perguntou a Apolônio se ele estaria disposto a ajudá-la.
Apolônio disse que sim. Ela pediu que ele marcasse um jantar ou almoço com
Alfredo Salim dizendo-se disposta a vender sua parte das ações, pediu também,
que ficasse atento aos preços das ações e o autorizou a comprá-las em seu nome,
assim que chegassem a um patamar que ele julgasse razoável. Passou para
Apolônio o número da conta milionária, mas se negou contá-lo do porque do
número entregue. Apolônio a alertou:
— Se a senhora for procurada pela Imprensa sobre
possíveis problemas na SA, não afirme nem negue. Ambas respostas serão
prejudiciais. Diga apenas que seu ex-marido esta indisponível para contato
devido às férias... Para quando marco o
jantar, senhora?
Assim que as ações entrarem em viés de baixa. Vou
estar no hotel. Estou com fome e exausta. Mande alguém buscar minhas malas no
aeroporto e levá-las para o hotel de sempre. Estarei na suíte presidencial,
reserve-a para mim, Apolônio. E não se preocupe, Onofre está vivo. Eu sinto
isso no meu íntimo. E ele saberá recompensá-lo. Se malaquias telefonar, me
acorde, quero muito saber das notícias.
Poliana entregou às chaves do guarda-volumes do
aeroporto a Apolônio e foi para o hotel.
O resgate.
José olhava e reolhava à passagem e os maleiros
do avião. Malaquias desentendido da intenção de José, perguntou,
— Algum problema, José?
— Não sinhô, só não tô vendo o
numero da poltrona na passagem...
Malaquias segurou o riso para não humilhá-lo
apanhou a passagem e mostrou a poltrona José sentou-se na poltrona ao lado da
janela. A aeromoça dava instruções para em caso de acidente. José, tremulo, começou
a suar frio. Malaquias se sentou na poltrona ao lado e tentou tranqüilizá-lo
dizendo ser mais fácil morrer engasgado, do que resultante de queda de avião.
Depois, ele ensinou a José a colocar e a apertar o cinto de segurança. Quando o
aparelho acelerou para decolar, José apertou forte os braços da poltrona até o
ascender da aeronave para alçar vôo. Malaquias olhava para José e o notou
suado, pálido e murmurando um "aí meu Deus". A comissária avisou de poderem
afrouxar os cintos. Malaquias pediu dose de uísque e perguntou a José se ele
bebia. Batendo a cabeça José disse sim. Puxando assunto, Malaquias procurou
acalmá-lo;
— Muito bonita sua mulher... É baiana?
— Não, sinhô.
— É paulista?
— Sim, sinhô.
— Pode ficar calmo, José. O risco já passou.
Relaxe.
— Dizê é fácil.
— O medo é apenas uma sensação, controle-o.
— Tô tentando.
— Confie apenas no que você sabe, não no que
imagina. O medo é imaginação, e não raro, mais prejudicial que benéfico.
Disse-se, por intermédio de sua literatura, o escritor baiano Ariovaldo Matos:
"— O pior do medo é que nos desarma, nos subjuga, nos enfraquece e desse
modo, por via de conseqüência, o inimigo, seja quem ou o que for, torna-se mais
poderoso"... Gosta de ler, José?
Envergonhado por ser analfabeto, ele baixou a
cabeça e respondeu.
— Não, sinhô.
— Você tem medo de elevador?
— Claro que não, sinhô.
— Existem pessoas que não entrariam em um
elevador sob hipótese alguma.
— Sim, sinhô. Tem gente assim, eu já vi.
— Avião é a mesma coisa. Se você imaginar que
haverá acidente, seu inconsciente criará uma cisma e o corpo reagirá como se
fosse um perigo real. Mas, ao racionalizar que é uma apenas uma imaginação,
você minimiza o medo, torna-o pequeno, insignificante. Como nem eu nem você
sabemos do futuro, temê-lo é uma reação infantil... Você está entendendo, José?
— Sim, sinhô. Entendo sim sinhô. Só não sei o que
é esse tal de racionalizar. Mas entendi o doutô qué falá... O doutô
disse pra eu pará de pensá bestêra...
— É! Você tem que pensar dentro do real. —
Malaquias bateu na poltrona. — Isso é real.
A aeromoça trouxe a dose de uísque e serviu
Malaquias. Ofereceu a José. Ele disse preferir cachaça a uísque. A comissária
providenciou a cachaça. José a bebeu de um gole só e pediu outra e outra.
Estalando a língua no céu da boca a cada dose de cachaça, ele disse,
— Agora sim, doutô. Tô calmo.
Racionalizei... E de ilhéus, aonde nós vai?
— Pelos planos de Onofre, eles foram para
Abrolhos. Pararam em Alcobaça. Você conhece?
— Conheço, não, sinhô.
— Vai conhecer. Você é baiano e não conhece
Abrolhos?
— É longe pra burro, doutô.
— Claro!, é longe... O portal de Abrolhos é
formado pelos municípios de Caravelas e Alcobaça. Alcobaça é uma cidadezinha de
pescadores com inclinação turística. Tem um boteco na barra do rio Itanhém onde
se come maravilhosamente bem. Camarões, pitus, robalos e mariscos à vontade. É
só escolher.
— Robalo é peixe de rio, doutô.
— Lá é mangue. Tem rio e mar. Você vai gostar.
— Se for porrêta assim, vô. E a
cachaça de lá é boa, doutô.
— Não entendo de cachaça. Já bebi na
caipirinha...
— Ensino o doutô a beber... Primeiro o chêro...
se chêra a cana, é ponto. Se estalá a língua no céu-da-boca
depois da golada, é ponto. Se queimá a goela na decida, é ponto perdido.
Tem que descê macia...depois subi esquentando. A do avião é boa,
é... Mais logo, eu peço outro dedinho e o doutô experimenta. Quanto tão
cobrando ná dose?
— Nada. É de graça. Vou experimentá-la.
— Doutô, nada nessa vida é de graça. Ou é
pré-pago como se diz ou é cobrado depois. Até pra cherá é pago. De graça
só desgraça...
— É verdade. Já foi cobrada. É pré-paga, então.
Vou pedir mais uma.
Malaquias chamou a aeromoça e solicitou mais duas
doses de cachaça. José acertou o pedido dizendo purinha, sem gelo. A aeromoça
trouxe os drinques. Agora totalmente adaptado ao vôo, José ensinou Malaquias
como proceder. As doses de cachaça foram bebidas duma talagada só. José
estalava a língua no céu da boca, enquanto, Malaquias tenta respirar.
— É forte, José.
— É que o doutô não bebe. Fica pinicando a
língua devagarzinho no uísque e pensa que bebe.
— É verdade, José. Quantas você já tomou?
— No avião?, Cinco. Bem pouco, doutô. Que
é pra não dá sono. Me esclareça uma cisma, doutô. Há quanto tempo
o doutô paquera a ex-mulé do patrão a ponto de gostá de tomá
murro na cara.
— Ontem. Vim conhecê-la ontem.
— Quer dizê que o doutô nem furô
a dona ainda, e já vai arriscando a vida por causa dela.
— Ela demonstrou-me ter um potencial intelectual
maravilhoso e, além de ser linda, ela é dinâmica e decidida. Quando quer vai
atrás. Quando não, manda embora. Gosto de mulher assim, apimentada. Espero
conquistá-la definitivamente... sou viúvo, solitário e essa força, esse vigor
que ela tem me rejuvenesce.
— Doutô? Vô pedi desculpa de antes... Mas aquela mulé é mais tinhosa que o
capeta... é o tipo de mulé que bota água fervendo no ouvido da gente...
agora... pelo jeito do outro patrão puxando o saco dela... deve de ser
endinheirada...
— Ela não. O ex-marido, sim. É muito rico. Ela é
uma jornalista que trabalha para viver. É remediada. Contudo, dinheiro não é
problema... Eu tenho mais que o suficiente.
— Doutô, dinheiro é coisa séria. Não vô
dizê que não estranhei a dinheirama que o doutô deu pra minha Lana.
Estranhei sim... até achei que o doutô tava de olho nela... Mas é que
nela eu confio até a vida. Ali eu garanto que não me bota chifre... — O rancor
refluiu ao lembrar-se que Alfredo Salim tentou conquistar sua mulher na festa
de final de ano da SA. — Digo porque o outro doutô, um tal de Salim,
deu encima dela na festa de Natal. Ela me disse. Botô até dinheiro grande pra
dormir com ela, ela me contou. Eu só não dei porrada nele pra não perdê
a boquinha. Emprego ta difícil, e, só por isso Lana não me deixô metê a
mão na cara daquele corno! E ele é corno e lá todo mundo fala que ele é corno.
O doutô, o outro, o tal Apolônio, que trabalha junto do sumido,
já furou a coroa dele... E furô lá no escritório... é. Ele é
sonso, é gente ruim... agora... não vô negá que o corno é fudedô.
O tal Salim já comeu um bocado de secretária lá do trabalho... um bocado. E vai
dá encima da paquerada do doutô, esteja certo que vai...
— Ela é livre. Não temos, apesar de eu querer
muito, nenhum compromisso... mas não acredito que ela o queira. Por dinheiro
ela teria ficado com o ex-marido...
— Esse negócio de mulé é complicado mesmo,
doutô. Com a Lana foi assim... bati os olhos nela e disse: é ela. Foi no
Rio de Janeiro, em carnaval... Eu tinha ido ao baile do Clube do Flamengo. Negócio
engraçado carnaval... agente pode ta fodido, mas arruma um jeito de se alegrar.
O doutô quer ouvi a história do namoro de eu e de Lana.
Malaquias olhou através da janela do avião e viu
no horizonte o sol avermelhando as nuvens, então, bocejou.
— Se o doutô quiser dormir eu me calo.—
Disse José procurando agradar a Malaquias.
— Não, José. Pode contar. Estou um pouco cansado,
mas não durmo de dia. Conte-me. Ajuda a passar o tempo.
— Foi lá no salão do Clube do Flamengo, no
carnaval. Ficava todo mundo arrodeando o salão, uns casal, umas
mulé solta, outras abraçadas com as amiga, pulava todo mundo ao
som da banda de sopro e da bateria pequena dando volta no salão. Os home
fazendo a roda em volta, caçando... Antes da bateria da escola lascar o pau nos
samba-enredo, ficava a bandinha tocando
— José cantarolou – Bandeira branca, amor / eu peço paz / pela saudade
que me invade eu peço paz... Ai eu vi a nêga encima duma mesa
requebrando miudinho. Foi batê o olho o coração disparou: pucutum,
pucutum, pucutum... Aí eu fui devagarzinho me achegando. Ela tava
com duas amigas. Uma delas abriu os dentes, estava crente que era com ela...
E se fodeu porque não dei trela. Me acheguei mais um bocadinho em
Lama e do chão, olhando ela encima da mesa, disse assim: — Nêga!, tô
com enorme tesão em você... Ela retou. Fechou a cara e respondeu se assunte que
essa nêga não é pra sua laia. Desguia e vai procurar uma puta. Tá
pensando que eu sou brocada?... Aí eu estaquei. As duas branca ficaram
com uma risadinha sacana. Se eu tivesse ido numa das branca era
fácil, era chamou, fodeu. Mas eu já tava arriado na nêga. E ela
dançando, quebrando... estava vestida de colombina, uma coisa linda vê, doutô.
Tentei de novo, outro gracejo: — "requebre que eu dou um doce"...
isso na música de Caymmi que a banda chupa-cuspe tocava. A nêga nada. As
palmas da mão suava, o coração pucutum, pucutum, pucutum.
Aí apareceu um branquelo e disse uma gracinha. Ela fez bico. Ele insistiu, foi
no afoitamento e puxou ela da mesa. Aí a nêga desequilibrou e se despinguelou
desconjuntada no ar. Agarrei ela, botei de pé no chão e dei um
sopapo cruzado pelo meio da orelha do amarelo. O lambisgóia rodou duas vez
antes de saracotear e desmaiar. Ai foi um zunzunzum da porra, abriu um
branco no meio do povo, um cara que não tinha nada com o assunto foi pro meio
do vazio e ciscou. Outro cara correu dentro e o pau comeu. Agarrei no braço de
Lana e piquei a mula, foi uma zorra. Cadeiras voando, garrafas e o escambau. Nisso
Lana se perdeu das branquela. Já longe eu pensei comigo, vou bêja...
— José espalma a mão e encosta-a no rosto mostrando como apanhou — Doutô! Tomei
uma tapa na cara de ficar desenhado os dedos. Pensei em devolver a porrada, mas
desisti. Olhei aqueles zoinhos claros, aquele rostinho lindo e não quis batê
pra não desfigurá. Fiquei na minha. Larguei da mão dela e ia saindo...
Aí ela perguntou vai me deixar sozinha assim? Eu matutei e disse: Vamo
procurá as branquela. Agente fica junto do banheiro de mulé, uma
hora elas vai tê que mijá. Aí nós encontra. Nisso Lana me fez um
elogio, disse que eu não era um negô burro. E fomos pra
porta do banheiro das mulé. E nada, e nada de aparecer as branca. Eu
comprei cervejas e bebemos, mais cervejas e bebemos... um chêro de xibiu
que doía as ventas, e as branca, nada de aparecer. Ai eu disse vô me
picar senão saio de zero e é carnaval... Ela disse dô um bêjo se
esperar por mais dez minuto. Não! Eu disse, fico se dé agora, chêga de mais mais. Ela
deu... doutô, não sô de me gabá não, mas dei uns amassos nela que de tão
bem dado fomos pará num motel... Não sou home de contá o
de quatro parede não, doutô... Até porque, quem conta, coloca vontade
nos outros de querer também, e depois, fica reclamando que é corno... Mas, no doutô
eu sinto uma coisa estranha... uma coisa de confiança e de amizade... nem
conheço direito o doutô, mas me sinto amigo... como se fosse amizade de
infância. Coisa de irmão que cresceu junto. O doutô entende?
— Sim, José. Senti algo parecido também.
— Doutô. Devo dizê... já que o doutô
entende, que quando o doutô
deu aquela dinheirama pra Lana e ela alisou a cara do doutô fazendo
curativo, eu fiquei com ciúme e olhei se o doutô ia olhá pros peito
dela. Quando o doutô não olhou, eu achei... se ofenda não, doutô. Tô
falando como amigo... Eu achei que o doutô era bicha... Pagá uma diêrama
daquela pra viajar comigo... Mas, depois, que o doutô me disse que estava apaixonado pela branca, eu entendi.
Agente quando está apaixonado só qué aquela fêmea mesmo e mais
nenhuma... Não é isso, doutô?
— É. Eu estou interessado, muito interessado em
Poliana... Não sei se foi Goethe que disse, mas sei que você vai entender
quando eu digo que faço minha as palavras calcadas nas dele: "a beleza me
envolve mas não me faz servil, enebriece-me mas não me embriaga, alça-me além
das circunstâncias mas não me cega para o real." Interesso-me, mas não me
apaixono... entendeu, José.
— Eu não sei quem é esse seu amigo Goethe. Deve
ser gente fina porque fala coisas bonita. Mas eu não acho feio se
apaixonar por mulé não. Claro que o home tem que garanti a calça
que veste. Se a mulé chifrá ele tem que sê macho pra dá um
chute na bunda e mandá embora. É feio um home corno. Mas eu dei
sorte. Naquela mesma noite no motel eu vi Lana nua. Que coisa linda doutô, não
vô dizê que a foda foi lá muito boa na primeira noite da gente, porque eu fui achá
uma coisa difícil de achá hoje em dia que é mulé virgem com 19 anos...
Mas minha nêga era cabaço. Naquela idade e cabaço. Digo pro doutô.
Foi duro de descabaçá... A rola empenava pra não entrá... E ela com
dô... Sim... No dia depois eu tinha que voltá pra São Paulo. Aí
ela perguntou e agora? Eu respondi... e agora que ela podia
vim comigo. Eu disse: claro! Sô home! Broquei e
vô casá. Casemo na Igreja e de papel passado... Sorte... Muita
sorte... Foi sorte minha eu conhecê Lana... Foi sorte...
— É, José. O desaparecimento da filha de Poliana
não pode nem deve ser chamado de sorte, mas nos aproximou. E tenho quase
certeza que eles estão vivos. Assim como sei que iremos encontrá-los. Você sabe
ler, José?
— Não, doutô. Eu sô um home
simples, não conheço as letra. Lana conhece! Eu não... Só sei assiná
o nome de carreirinha porque ela me ensinou. Mas não sou burro não, doutô.
E gosto de conversá com gente que sabe mais que eu. Pode contá qualqué
coisa que eu entendo.
Acendem-se às luzes do avião. Malaquias pede
outra dose de uísque e pergunta a José se quer outra cachaça. Só se puder
cerveja, respondeu-lhe, explicando que quer ficar atento aos ensinamentos de
Malaquias.
— Você acredita que quero salvar a menina por
causa da mãe dela, não é José... Quero encontrá-la por mim. Você não tem idéia
da dor da perda de um filho. Eu perdi um filho. Esta perda levou minha mulher
ao suicídio...
— Entendo, doutô. O doutô qué ajudá
ao doutô mesmo. Não a ela...
— A ela também...
— Isso! O doutô qué matá dois coelho duma
cacetada só.
— É... é isso.
— Apôis o doutô pode contar comigo.
Mas não é porque o doutô é rico não...
— Eu sei, José. Acredito em você.
— Vô contar um caso que aconteceu...
— Mais tarde, José. Ponha o cinto. Já iremos pousar.
Que horas são?
— Vai dar sete. A moça não trouxe nem a cerveja
nem o uísque do doutô...
— Não faz mal, no hotel jantaremos. Lá
beberemos... estou faminto. Dormiremos hoje por aqui, amanhã iremos a Alcobaça.
Aperte o cinto, José.
Na ilha (fim da manhã e tarde)
Antes de ir pescar, Onofre subiu novamente no
coqueiro próximo ao riacho, retirou outros cocos, cortou-os para facilitar
serem consumidos e levou-os a cabana. Lá apanhou a tarrafa esquecida e,
abaixando as vistas pelo corpo de Beatriz, saiu para tarrafear.
Beatriz sonhou novamente com a mãe e os anjos do inferno, mas desta vez,
não ela, mas a mãe, refestelava-se com Onofre. Ela acordou suada, enciumada,
com raiva. Os olhos inchados e vermelhos. Na boca, faltava-lhe saliva, provável
efeito colateral da maconha. Viu os cocos deixados por Onofre e bebeu dois
deles. Abriu o outro salgado, desta vez, bolinhas com gosto de queijo. Comeu
metade dos salgados, caminhou até o riacho, retirou a camisola e a calcinha e
banhou-se mais uma vez. Pensou numa maneira de justificar os olhos que ardiam,
resolveu banhar-se no mar e correndo foi atirar-se na água.
Onofre, ao lado, jogava a tarrafa repetida vezes
nas marolas de água cristalina enquanto Beatriz nadava e mergulhava
sucessivamente. Ela queria atenção, mas o pai, concentrado no cardume de
tainhas, não percebia. Num dos arremessos, finalmente, ele enredou alguns
peixes, e puxando a tarrafa até a areia, buscou desvencilhá-los. Beatriz correu
em direção a ele saltitante e nua.
— Pai! Pegou algum?
— Pequei! Respondeu-lhe Onofre sem levantar o
rosto para observá-la.
Beatriz se aproximou e começou a dançar. Bailou em torno do pai como a
mãe dançara em seus sonhos fantasmagóricos. — Para ela, já não existia necessidade
de pudores. Insanamente, beatriz sentia ciúmes da mãe por tê-lo tido como
homem. Onofre viu-a nua, totalmente nua. Quis fingir indiferença, quis se negar
ao fato de ter gozado dela mesmo que em fantasia. Porém, por ser dono de razões
íntimas, reprimiu-a:
— Vá se vestir, menina!
— Ah! pai, qual é! Estamos sós aqui. O senhor já
me vê nua desde criança.
— Acontece que você não é mais uma criança.
Ande!, vá se vestir.
Beatriz sentiu na resposta o desequilíbrio paterno. Obtivera o resultado
que esperava. Sabia-se agora totalmente desejada, além, de ele nem ter notado
no encarnado de seus olhos. Ela adquiriu a certeza que era vista como mulher, e
não mais, unicamente, como filha. Sabia
que havia quebrado definitivamente o espírito paternal de Onofre. Sim! Agora
ela acreditava ter sido certa sua investida.
Beatriz saiu caminhando devagar, andou como se flutuasse sobre a areia
morna, rebolando lentamente. Estava certa que Onofre a seguia com olhares de
desejo, então, parou por um breve instante e espreguiçou-se levantando os
braços, alongando-se, como se fosse apanhar as nuvens, companheiras silenciosas
de sua imaginada vitória, e empinou as ancas. Carregou a face com um sorriso.
Um sorriso calmo, espontâneo, um sorriso que seu rosto tornava necessário. Um
sorriso que só ela poderia sorrir. Um sorriso sereno, infantil e vitorioso ao
mesmo tempo. Passou a acreditar que partir dali, partiria do pai as investidas.
Resolveu fingir-se tola, encher-se-ia de pudores. Pensou: “assim gostam os
homens.” E assim ela o faria. Queria enlouquecê-lo de desejos.
Beatriz apanhou um cigarro e se sentou na soleira da porta do barraco. —
Obedeceu à vontade do pai vestindo-se com um short parecido ao que emprestara,
também de lycra, só que branco, na mesma cor da calcinha e do sutiã bordado com
pequenas flores cor-de-rosa. Sobre os seios pôs um “bustiê” amarelo-claro. —
Acendeu o cigarro e cruzou as pernas fazendo pose. Imitava as modelos de
revistas e Tvs em poses, caretas e trejeitos. Treinava tais movimentos em
frente ao espelho no intimo do seu quarto desde criança.
Onofre, após lavar a tarrafa e guardá-la, retornou as águas do mar para
limpar e salgar os peixes. Ancorava um silêncio grave. Já não possuía a certeza
da total ingenuidade da filha. A dúvida lhe sopesava com uma cruz. Seria
proposital a nudez dela? Seus afagos? Seus melindres? Caso fosse, pensou
relembrando a frase de Veríssimo : “...atingir-me-ia e me levaria as mais altas
regiões da felicidade e do prazer ou me jogaria ao mais profundo dos abismos da
desolação a da dor”. Ele a amava, e este amor antes puro e paternal, lutava
como gladiador numa arena para não se transformar num amor libidinoso, sensual,
contrário a suas crenças e princípios. Envolto no ocorrido, esquecera-se de
contar a Beatriz que havia encontrado outra cabana. Quando notou no horizonte
nuvens carregadas vindo em sua direção, sentiu que tinha que se apressar para a
mudança. Correu levando os peixes já limpos à cabana. Ao aproximar-se quebrou o
silêncio e disse,
— Filha. Tenho novidades. Encontrei outra casa
maior e melhor. Vai chover em breve. É bom irmos logo para lá. Lá tem tudo que
precisamos.
— Tinha alguém na casa? — Perguntou Beatriz.
— No
quintal tinha uma churrasqueira acesa, alguém a acendeu...
— Foi pai? Que bom. Estamos salvos!
— Vamos, se formos rápidos fugiremos da chuva.
No imo, Beatriz torcia para que fosse um engano,
que não existisse pessoa alguma. Já se sentia feliz naquela ilha tida como
desabitada e experimentava a cada tempo novas sensações.
— Vamos logo, Beatriz. — Exigiu Onofre.
E partiram para a
nova casa.
Poliana versos
Alfredo Salim
Poliana chegou ao hotel, estava estafada e com
fome. Recebeu as chaves da cobertura e ao chegar ao quarto se lembrou ser o
mesmo quarto que ficara com Onofre na lua de mel. Ela andou até o frigobar,
apanhou uma barra de chocolate e comeu. Da maneira que estava, sentou-se na
cama, automaticamente, apanhou o controle remoto e ligou o televisor. Pela tela assistiu as notícias sobre as CPIs
e tomou conhecimento de novas denuncias de corrupção com envolvimento de fundos
de pensão... Sem se ater muito ao noticiário, Poliana dormiu.
Às oito horas da manhã o telefone tocou. Poliana
acordou para atendê-lo. Era João Salim, o novo diretor do jornal. Ele exigiu
que Poliana retorne para o Rio de Janeiro. Ela se negou. Disse cuidar de
assuntos pessoais. João alegou corte de despesas e avisou da possível demissão
dela. Poliana disse ser acionista, ou seja, uma das donas do jornal, e
perguntou pela matéria não publicada. João respondeu ter sido uma matéria
chula, despropositada, e sem provas. Poliana ficou muito nervosa o chamou de
corno e desligou o telefone. Foi ao banheiro. O aparelho tocou novamente.
Olhando pelo bina, ela identificou ser João Salim novamente e o deixou
tocar, dando uma banana para o aparelho,
e foi banhar-se.
Já no restaurante do hotel recebeu um telefonema
de Malaquias lhe contando da intenção de ir para Alcobaça. Ela lhe desejou
sorte e pediu que ele mantivesse contato. Mas uma vez o aparelho chamou-a,
desta vez era Apolônio.
— Senhora, o valor das ações começaram a cair. No
decorrer do dia cairá bem mais. Vou marcar o almoço. Onde quer que eu marque.
Marque aqui, em meu quarto, às 14 horas. Confirme
a presença, Ok. Obrigada Apolônio.
Desligando o aparelho, Poliana finalmente pode
saborear seu croiassant com geléia e bebeu o aromático café ornamentado com
creme.
Resolvido o desjejum, Poliana saiu para cortar
cabelos, comprar roupas, enfim, foi arrumar-se para o jogo de sedução com
Alfredo Salim.
Lindíssima, Poliana retornou ao hotel. Avisou na
portaria que esperava em seu quarto pela presença de um amigo e, posteriormente,
de uma amiga. Disse na recepção do hotel ser desnecessário anunciá-los, disse
que não sairia e pediu providenciarem almoço intimo para duas pessoas, exigiu
sofisticação francesa. Poliana subiu ao quarto e foi assistir à televisão para
esperar pela chegada de Alfredo Salim.
O garçom bateu na porta ela mandou que entrasse.
Empurrando um carrinho, o garçom arrumou a mesa em estilo francês e se
posicionou para servir o almoço. Poliana disse se sente, mas o garçom agradeceu
e continuou de pé, estatuado. Depois de pouco tempo de espera chegou Alfredo
Salim.
— Como sempre, belíssima. — Alfredo elogiou
Poliana pela beleza.
Ele caminhou até a dama e beija-a a mão
cerimoniosamente.
Apontando a mesa, Poliana caminhou em direção a
ela, o garçom puxou a cadeira para que ela se sentasse. Ela se sentou. Alfredo
a acompanhou, e almoçavam, tendo Poliana o cuidado de evitar falar sobre o
assunto das ações. Findado a refeição, o garçom se retirou, e Poliana iniciou
sua estratégia de sedução,
— Conversou com Apolônio, Alfredo?
— Sim. Ele me disse que você estava disposta a
vendê-las.
— Parte delas, não todas... Seu primo, afilhado,
ou seja o que for, ameaçou-me de demissão do jornal...
— Ele é um idiota. Mandei-o para o jornal porque
ele é muito bom em finanças. Das nossas empresas o jornal é a única
deficitária. Ordenei que cortasse despesas, mas não o autorizei a demitir
ninguém. Falarei com ele agora mesmo. — Alfredo retirou o celular do bolso do
paletó para telefonar. Poliana o interrompeu da intenção,
— Não!... Tenha calma... Eu tenho interesse
pessoal no jornal... Por isso o chamei aqui.
— Sou todo ouvidos, princesa. — Disse
Alfredo Salim confiante.
Eu confesso não estar a par do funcionamento de um holding. Mas, se
detenho 15% das ações dele, e o ele detém 51% das ações do jornal... — Alfredo
tenta que ela conclua, ansioso,
— O que é que você saber exatamente?
Deixe-me concluir o pensamento, lindo... Como
dizia... como a holding possui o controle de várias empresas, significa...
— Que o valor dessas ações são muito superiores
às do jornal. Você quer comprar o jornal com suas ações?.. Se for isso você compra
e ainda...
Poliana se debruçou na mesa expondo o decote,
deixando que Alfredo tivesse uma visão privilegiada de seus seios desnudos. Ele
se deliciou observando o colo, e, como de hábito foi lisonjeiro,
— Lindos... Nem Miguelangelo esculpiria algo
assim tão belo.
Fingindo-se inocente, Poliana recuou. Ela deu um
sorriso malicioso e perguntou se poderia se vestir com algo menos formal,
alegou sentir-se apertada dentro do vestido. Segurando na mão de Alfredo, ela o
conduziu até a ampla varanda da suíte e saiu para trocar-se. No closet, mudou
de roupa. Vestiu apenas uma camisa masculina comprida e a calcinha rendada.
Retornou a varanda desabotoou dois dos botões da camisa e se sentou ao lado da
mesa em frente a Alfredo.
— Está ainda mais bela — Babou-se, Alfredo.
Poliana sorriu e explicou,
— Fui surpreendida ao saber-me possuidora de
tantas ações...
— Gostaria de poder usar algo mais leve, assim
como você — Insinuou Alfredo, testando o terreno no afã de conquistá-la.
— Claro!, gato. Tem roupas no armário. São de um
amigo que está viajando. Estou certa que não se aborrecerá. — Autorizou-o
cinicamente Poliana, ao aceitar o cerco de Alfredo.
— Obrigado. Basta-me tirar o paletó, a gravata e
os sapatos.
Alfredo levantou-se e cumpriu o ritual de retirar
as peças do vestuário. Ficou somente com a calça, a camisa entreaberta e com os
punhos da camisa dobrados até o cotovelo.
— Agora sim, estou à vontade. — Disse Alfredo, já
se sentindo um conquistador. Afoito tentou beijar Poliana. Ela espalmando-o no
peito pediu calma. Ele forçou a situação e ela se deixou beijar. Alegando ir
prevenir-se com espermicida, Poliana foi ao closet e telefonou, para Ana
Virginia, — Ana Virgínia é irmã de Onofre por parte do pai e mulher de Alfredo,
— com o celular que o próprio Alfredo deixara na mesa, disse-lhe o local e
quarto em que estavam, deixou a porta encostada e manipulou a sedução para ser
flagrada pela ex-cunhada em pleno ato. No telefonema, disse-se seduzida e,
fingindo choro, desligou o aparelho antes que a ex-cunhada mudasse da idéia de
encontrá-los.
A cena ocorreu como prevista. Quando Alfredo e
Poliana estavam na cama entre as preliminares e o coito, o quarto foi invadido
por Ana Virginia surpreendo-os. Foi um bafafá típico de novela. Ana Virginia e
o marido começaram a discutir acaloradamente. Poliana correu segurando às
roupas e o telefone celular. Foi ao banheiro e trancou a porta. De lá telefonou
para Apolônio e perguntou das ações. Apolônio checava os valores pelo
computador e disse deságio de 12%. Poliana mandou comprá-las até o valor máximo
de cinco bilhões de dólares. Apolônio concretizou o negócio. Após vestir-se,
Poliana voltou para a beira da cama. Nela, Ana Virginia chorava. Alfredo
sentado ao lado tentava dar explicações. O telefone celular de Alfredo tocou.
Poliana atendeu e era o corretor de ações de Alfredo que tenta avisá-lo sobre
as transações que estavam ocorrendo na bolsa. Poliana explicou que Alfredo foi
flagrado pela esposa fazendo sexo com outra e que não o atenderia agora.
Alfredo com as mãos na cabeça tentava desesperado conversar com a esposa. Ela
se negava terminantemente em ouvi-lo. Poliana pediu que ele se retirasse do
quarto. Conversaria com Ana Virginia. Alfredo saiu acreditando na boa-fé de
Poliana. No entanto, após pedir desculpas, Poliana aproveitou-se da situação e
do desequilíbrio de Ana Virgínia e se ofereceu para comprar as ações dela. Ana
Virgínia aceitou vender as ações por raiva da atitude do marido e telefonou ao corretor
para autorizá-lo à venda. Nisso, Poliana telefonou para Apolônio concretizar a
compra. Tudo acertado, Poliana contou saber dos casos de Alfredo com diversas
mulheres e aconselhou Ana Virgínia a livrar-se dele... "daquele
canalha". A manobras resultou em Poliana tornar-se acionista majoritária
do holding. Telefonou novamente para Apolônia e disse de Ana Virgínia ir
procurá-lo para assinar os papeis. Mandou-o, também, entrar em contato com o
jornal e readmitir Nogueira. Disse querer a cabeça de João Salim ainda naquele
dia.
Poliana entrou em contato com a portaria do hotel
e disse não estar disposta para atender a quem quer que fosse, e sob hipótese
alguma, deveriam deixar subir Alfredo Salim.. (Ela explicou à recepção quem ele
era). Felicíssima, Poliana se atirou na cama, ligou a televisão e assistiu a
programação que mostrava as investigações da CPI, incluindo depoimento do
ministro da Fazenda Antônio Palocci. Acontecimento esse que lhe lembrou de
Malaquias. Ela apanhou o telefone e ligou para ele:
Lindo, sou eu. Está tudo bem. (...) Vai jantar
(...) Para alcobaça?, sei.(...) Sairão amanhã... (...) Aqui as coisas estão
pegando fogo. (...) Claro! Não deixe de me dar notícias. (...) Safado (...) Acredito, tchau!
Poliana se sentia bem, ao passar junto à mesa,
bebeu um gole do champanhe que descansava no gelo da balde de prata e se deitou novamente. Depois, mais relaxada,
dormiu.
Continua o
resgate.
Na noite da chegada em Ilhéus.
Mal desembarcaram em Ilhéus e os amigos partiram
para conhecer o Bar Vesúvio, retratado na obra do imortal Jorge Amado.
Malaquias recebera o telefonema de Poliana, quando ditou planos e despediu-se.
No bar, sentindo a brisa noturna que a maresia conduzia, conversava com José
sobre a viagem para Alcobaça bebendo "cambuis" e caldo de sururu. Aos
poucos foram envolvidos pela sonolência dengosa trazida pela combinação do
álcool e maresia. Pretendiam procurar hotel para dormirem. Ao pagarem a conta,
porém, uma jovem bonita, vestida de vermelho, pediu dirigindo-se a José,
— Senta ai meu nego. Paga uma cervejinha pra
gente.
Malaquias olhou para José e bateu a cabeça
afirmativamente. José se sentou. Outra jovem, vestida de azul, aproximou-se de
Malaquias e disse, fique também. Malaquias se sentou. A moça de vermelho
perguntou a ele,
— Vocês não são daqui... São de onde?
— Viemos de São Paulo.— Respondeu,— estamos a
caminho de Alcobaça. Um amigo nosso saiu num passeio de helicóptero e não
retornou. Temo ter caído nos arrecifes de Abrolhos.
— Tragédia! — Exclamou a moça de azul
— Mas nós achá ele. — Afirmou José.
— Vão de carro? – Perguntou a moça de vermelho.
— É o jeito. — Respondeu José esperando
confirmação de Malaquias.
— Podem ir de avião ou de barco. Se quiserem ir
de barco, o irmão de Bel leva vocês. — Comentou a moça de azul.
— Quem é Bel? — Perguntou Malaquias quando
chamava o garçom, com um aceno, para fazer o pedido. A moça de vermelho
levantando o dedo e abrindo um sorriso se apresentou.
— Não ficaria longe se embarcássemos por aqui? —
Perguntou Malaquias curioso.
— Longe... sim, fica. Mas o barco de Matoso é bom
e rápido. Além disso, ele sabe driblar o IBAMA e a marinha. Ele tangencia por
trás das ilhas e vai. Ademais, ninguém de Alcobaça vai querer levá-los até as
ilhas. Além de ser proibido é perigoso... É propriedade da Marinha. É área que
necessita permissão previa. — Explicou Bel.— Mas, se vocês tiverem dinheiro
para pagar, vamos os cinco.
O garçom chegou com a cerveja. A moça de azul
pediu porção de petitingas, José confirmou o pedido. O garçom os serviu e levou
garrafa vazia. Malaquias pediu outra cerveja, depois se virou para a moça de
azul e perguntou o nome,
— Bem-vinda. Chamam-me de Bem.
— Bem e Bel. Grande dupla, — disse Malaquias e
perguntou,
— Bel de quê?
— De Berenice. — Puxando a amiga pela mão, elas
pediram licença e avisaram — Vamos ali.
Sorrindo, levantaram-se e foram ao banheiro. Na
mesa, Malaquias e José conversavam sobre a possibilidade de viajarem de barco.
Malaquias acreditava ser perigoso. José disse que veio para esta eventualidade
e abrindo a mochila mostrou um revolver a Malaquias e perguntou,
— Se sujá eu posso queimá ?... Posso?
— Pode. Se for assim, vamos topar. — Afirmou
Malaquias.
— Nós pode comê as donas, patrão?
— Se elas quiserem... porque não?
— Vão querê. É só rolá grana...
Enquanto isso no sanitário,
— O negão é meu. — Disse Bem
— Eu vi primeiro, da outra vez foi você quem
escolheu. — chantageou Bel a amiga.
— Ta certo, Bel. Depois agente troca. Será que o
coroa agüenta?
Bem, batendo a cabeça, concordou e explicou,
— Deve de ter Viagra na sacola do amigo. Vamos
voltar para a mesa...
— E se eles toparem a viagem de barco? —
Perguntou Bel.
— Se toparem, ótimo. Você liga pro Matoso. —
Respondeu Bem.
— Mas só depois do show. Ivete eu não perco.—
Imporia Bel na saida do sanitário.
As moças retornaram a mesa. Malaquias disse que
eles topavam a viagem de barco. Bel respondeu que o irmão iria estar no show de
Ivete e completou,
— Ele é fã.
José esclareceu que queriam sexo. As meninas
riram. Bem encostou a cadeira ao lado de José e o beijou na boca. Bel, a mais
bonita, colocou a cadeira ao lado da de Malaquias e segurou na mão dele. A turma
ficou bebendo e trocando carícias até o horário do show.
No show, Ivete fez carnaval fora de hora,
esbanjou carisma e sensualidade. Bel e Bem acharam Matoso e conversaram sobre a
possibilidade da viajem. Findado o show que entusiasmou os espectadores, eles
acertaram o preço,
— Por menos de dois mil eu não vou. Sem
autorização é perigoso — Frisou Matoso.
— Concordo. Mas vamos sair agora. — Disse
Malaquias na pressa de retornar para junto de Poliana..
— Vamos... —
Concordaram Matoso, Bem, Bel e José concomitantemente.
— Então vamos. — disse Malaquias e partiram para
o ancoradouro.
Ferrada no cais, a escuna esperava oscilante eles
embarcarem os mantimentos para a viagem. Executado o trabalho de supri-la com
água potável, tira-gostos e bebidas alcoólicas, Matoso colocou os panos na
driça, enquanto José desatava às amarras, embarcava e suspendia a âncora. Içada
a buja, Matoso a ajustou. A brisa a estufou em bojo e a escuna saiu lenta,
singrando o negrume do mar enquanto na popa, sob a área coberta, Bem, Bel e
Malaquias, sentados, bebiam cerveja em lata e conversavam. A noite estava
calma, Matoso aproa rumo sul margeado o continente. A escuna adernou um pouco e
restabeleceu equilíbrio. Bel chamou Bem e desceram, trocaram às roupas por
biquínes e retornaram, José também desceu e trocou à farda por um short preto.
Malaquias continuava com a única roupa que trouxera. José emprestou uma bermuda
e uma camiseta a Malaquias que enfim pode livrar-se do surrado terno de linho.
Bel chamou José, apanhou duas latas de cerveja e desceu para a cabine. José a
seguiu excitado.
Malaquias, vestiu a bermuda e a camiseta, pediu a
Bem cerveja. Eles beberam e namoram no banco da popa. Matoso prendeu o leme,
apanhou também uma das cervejas na caixa de isopor e se chegou ao casal.
— Quem está levando o barco. — Perguntou
Malaquias.
— Aqui não tem perigo. Nessa rota não tem pedras
ou bancos de areia. Estamos no canal. Vou tirar um cochilo. Qualquer coisa Bem
me acorda.
O vento mudou sua direção, o mastro rangeu ao
peso do vento apopado. A escuna ganhou velocidade adernando novamente. Ao
longe, do lado direito na costa, às luzes das cidades a beira mar servia como
guia. Malaquias pediu a Bem que chamasse José. Bem foi à cabine e bateu na
porta, José respondeu tô fodendo. Bem ouviu os gemidos de Bel e voltou,
— Estão namorando. — Ela explicou a Malaquias
— O barco vai virá. — Disse Malaquias e pediu que
acordasse Matoso.
José saiu nu da cabine e da escada que dava
acesso ao convés e gritou para Malaquias,
— Racionaliza, doutô. É medo.
José voltou para a cabine e voltou a foder.
Malaquias apanhou uma garrafa de uísque, bebeu no gargalo alguns goles e gritou
para José ouvir,
— Racionalizei...
Bel segurou na mão de Malaquias e o levou até a
proa, deixando Matoso dormir sossegado. Abrindo um caixão, Bel apanhou alguns
colchonetes e os arrumou no piso de proa e se deitou. Malaquias se deitou ao
lado dela, ela se esfregava e se reesfregava libidinosamente em Malaquias, mas
ele estava distante a ponto de não atendê-la. Desistindo, Bel se acomodou para
dormir. Malaquias pensava em Poliana. As
ondulações permaneciam tranqüilas e a escuna navegava suave transpassando à
noite.
Na ilha
Pai e filha foram pegos pela chuva forte no
caminho até a casa de alvenaria. Para Beatriz foi pura diversão. Onofre temeu
que adoecessem. Estavam encharcados quando chegaram. Beatriz, entrando pela
janela da frente, foi revistando tudo como se a casa fosse dela. Onofre, que
viera carregando os peixes e os cocos, entrou pelo fundo indo direto à cozinha.
Ali, depositou os pescados e os cocos verdes, e ficou observando a filha bulir
em tudo.
— Legal pai! Cama, fogão de lenha, tem até
quarto-sanitário.
— É melhor você trocar de roupa. — disse o pai em
tom aconselhador.
Beatriz começou a despir-se na sala. Onofre
reagiu,
— Vá se trocar no sanitário, filha.
Beatriz não lhe atendeu de imediato. Achou frescura
da parte do pai, já que dançou para ele completamente nua, como dançara
Salomé pela cabeça de João Batista.
Para evitar
suspeita sobre sua reação à nudez da filha, — Em verdade Onofre temia
excitar-se — Ele alegou da possibilidade
da chegada inesperada do dono da residência. Beatriz terminaria por atender a
ordem, apanhou na mochila uma saia de pano fino, frisado, transparente e de
cintura baixa. Pegou também uma calcinha essa de cor preta, pequenina, que
exigiria um rebolado para caber-se e para cobrir os seios levou uma blusa de
alça. Não se preocupou com a proteção do sutiã. Quando foi ao sanitário para
vestiu-se, perguntou:
O senhor não vai trocar de roupa, pai?
— Vou... mais tarde. Vou pegar mais bananas e
descobrir o que são aqueles palitos enfiados no chão.
— Que palitos?, paizinho.
— Uns que estão enfiados no chão marcados com
datas.
— Vá lá ver. Eu também fiquei curiosa. — Disse
Beatriz.
A chuva caia torrencial o e tempo esfriava,
porém, devido à longa caminhada, os corpos permaneciam quentes impedindo-lhes
de sentirem frio.
Antes de ir ao bananal, Onofre pediu,
— Forre a cama. Enxugue a casa que você molhou.
Os panos estão no armário da cozinha. Eu vou aproveitar que minha roupa está
encharcada e vou catar minhocas. Deve dar para se pescar no lago de vara daqui
de dentro de casa.
— Já temos as tainhas, pai. Vou tentar acender o
fogo. — argüiu Beatriz.
— Certo, faça isso. Não gaste o gás do isqueiro à
toa, coloque papel e gravetos suficientes. — Explicou Onofre antes de ir a cata
das minhocas e dos misteriosos palitos.
A
chuva permanecia forte, Onofre foi cavar próximo do poço onde estavam os tais
gravetos atados a papelotes com datas diversas. A cerca de vinte centímetros
sob o solo, ele encontrou algo esférico forrado por papel alumínio. Desenrolou
o que apanhou desvelando o mistério. Era um coco seco, furado, arrolhado, e
cheio de cachaça. Onofre desenterrou mais alguns dos cocos. Procurou por
minhocas sob pedras próximas, mas não as encontrou, então colocou os cocos no
chão e foi apanhar bananas. Ao retornar a cabana, trouxe os cocos e as bananas,
lavou o coco que havia desembrulhado na pia, e após cheirá-lo, bebeu um gole
enquanto Beatriz arrumara a cama e varria o a casa. Enlameado, Onofre foi
banhar-se e livrar-se das roupas. Vestiu novamente a bermuda de lycra, foi à
cozinha, abanou o fogo, e buscou assar os peixinhos. Apanhando o coco que
trouxe, bebeu um pouco mais do seu conteúdo. Beatriz, ao ver o pai bebendo,
exigiu provar. Ele lhe negou a sorte. Arrolhou o coco novamente e foi sentar-se
no sofá. Beatriz, insistente no pedido, sentou-se junto,
—
Deixe-me provar, pai.
—
Não! É cachaça...
—
Eu já bebi cachaça...
—
Não! Não chateie.
—
Tá certo, pai... Quem será o dono desta casa?
—
Não tenho a menor idéia. Mas que alguém está morando aqui está... A
churrasqueira não se acende sozinha. Alguém pôs fogo.
—
Pai, vou me deitar, estou cansada, não durmo bem desde que chegamos aqui...
—
Eu só lhe vejo dormindo...
—
Vamos nos deitar, pai?
—
Não! Vou esperar pelo dono-da-casa. Com essa chuva ele já deve estar vindo. É
melhor que eu espere. Estamos invadindo a casa do cara. Vá se deitar.
Descanse... Quando as tainhas estiverem prontas, eu lhe chamo.
Onofre
esperava o possível morador. Beatriz deitada na cama, pensava não querer mais
sair da ilha agora que encontrou um lugar habitável e o pai demonstrava finalmente algum desejo
por ela. Angustiada, levantou-se, foi até a mochila, apanhou na cigarreira
outro cigarro e voltou ao sofá. Sentia desejo pela maconha mas à presença de
Onofre desestimulava o uso, então, acedeu o cigarro careta. Onofre reclamou do cheiro e mandou: vá fumar na
cozinha. Ela foi. Fumou junto ao fogão de lenha enquanto bulia nos peixinhos e
lambia dedos. O pai disse ser porcaria. Ela deu de ombro e jogou a baga do
cigarro na chama do fogão antes de unir-se, novamente, a ele.
O
cara ta demorando, pai. — Disse Beatriz, sentando-se ao lado do pai no sofá.
—
Está sim. Mas ele vai aparecer. — Afirmou Onofre.
—
Conte-me outra história, cante uma música ou faça qualquer coisa que me ajude a
passar o tempo, pai. Estou ansiosa.
—
Certo. Era uma vez três porquinhos...
—
Ah! Pai. Sem esculhambação.
—
Esta historinha é boa.
—
É besta!
— Não tem nada de besta nesta história.
Fundamentei minha vida na moral desta história. O trabalho sério e zeloso traz
segurança. Você conhece a história?
—
Sei! Um porquinho era vagabundo, o outro menos um pouco e o outro trabalhava
duro e teve que salvar os outros, os vadios.
—
Mas era ele quem mandava.
—
Está certo, pai. Vamos mudar de assunto... Tudo para você é sério. Estamos
presos numa ilha linda, rodeada de belezas naturais e o senhor está preocupada
com a história dos três porquinhos... Relaxe... Mude o foco.
—
Eu tenho que arranjar um jeito de nos tirar daqui. É esta minha determinação.
—
Quando o dono da casa voltar, agente vê como faz. Vá, pai. Conte-me de sua
vida. Fale-me de seus amores.
—
Já lhe falei. Não sou esse tipo de homem. Meu trabalho toma todo o meu tempo.
—
Não minta, pai. O senhor está separado de minha mãe há uma porrada de tempo.
Anos e anos sozinho... Vai querer me convencer que nunca trepou com outras
mulheres.
—
Isso não é assunto...
—
É sim. Vá, pai. Conte-me.
—
Não! Não trepei com ninguém. Dirigi as minhas energias para o trabalho.
—
Você quer que eu acredite nisso? Se fosse verdade suas mãos estariam cheias de
cabelo...
—
Que besteira é essa, Betraiz?
—
Nada. Deixe pra lá...
—
Meu casamento foi desastroso. Você ter nascido é o único motivo de não guardar
arrependimentos dele. Não me dou bem com as mulheres, elas são ilógicas,
neuróticas e mandonas... e na sua grande maioria, mercenárias...
—
Quer dizer que o senhor está assexuado a anos. Veado eu acredito que o senhor
seja.
—
Me respeite!
—
Não quis desrespeitá-lo, pai. Tenho muitos amigos que são veados. É uma
opção...
—
Não para mim... Tenho desejos, sou humano... mas sei controlá-los... Por que
você se interessa tanto por minha vida sexual. Não temos outro assunto?
—
Não! É que eu quero saber quem pode vir a ser minha madrasta.
—
No momento, ninguém. Não estou saindo com ninguém. E não quero me relacionar
afetivamente com ninguém.
—
É melhor do que o senhor ficar saindo com prostitutas. A AIDS ainda está
matando...
—
Eu não saia com prostitutas.
—
Não minta, pai. Você é homem. Os homens, eu bem sei, só pensam em sexo.
—
Eu não sou assim. Estou castro desde que me separei... Dirigi todas as minhas
energias para o trabalho, já falei.
—
Nada, pai. Nem mesmo umazinha.
—
É!... Como um padre.
—
Vá nessa, pai. Acredite que os padres não trepam.
—
Alguns não.
Beatriz
empurrou o pai para junto do braço do sofá e, de libertinagem, retirando o seio
da blusa, ajoelhou-se no sofá, encostou os seios próximos ao rosto do pai e
pediu segurando num deles, — Pai, veja se
tem alguma coisa aqui. Está coçando.
Onofre sentiu reavivar todo o tesão ao ver o seio
da jovem exposto. Esforçando-se para parecer natural disse,
— Coce!
Ela levou o bico róseo até a própria boca e roçou
a língua sobre ele. Onofre, ao ver o mamilo franzir-se, teve uma ereção. Ao perceber
o resultado da sua altitude, Beatriz
recobriu os seios e se deitou no colo do pai. Onofre tentou disfarçar,
mas ela sentiu o membro rijo do pai na sua nuca e, propositadamente, no intuito
de levá-lo ao desespero, fingiu apenas levantar-se, rodou o rosto esfregando de
passagem a boca pelo membro rijo, separado do contato com os lábios quentes, apenas
pelo fino short de lycra. Tremulo e entorpecido pelo tesão, Onofre nada disse.
Ela que havia levantado, retirou mais uma vez os seios da blusa, segurou um dos
mamilos e, novamente, levando-o a centímetros do rosto do pai, perguntou,
— Tem algum troço aí, pai? Olhe direito.
Segurando-se aos últimos de seus impulsos
reprimidos, ele disse não, não tem.
Beatriz forçou de novo a situação e insistiu,
— Passe a língua, pai. Eu senti um carocinho.
Onofre sentia queimar-se de tesão. Mas para não
se entregar de vez, passou saliva no
dedo e dissimulando, alisou o bico do seio da filha que se enruga novamente,
— Não senti caroço algum. — Gaguejou rouco, Onofre.
Ela teimou e pediu,
— Passe a língua, pai. — A voz de Beatriz saiu em
falsete.
— Vá olhar no espelho, — reagiu Onofre
controlando-se — Eu não vi e não senti nada.
Beatriz saiu. Foi ao banheiro e fingiu olhar o
seio dissimulando sua maldade. Onofre aproveitou a oportunidade e foi à
cozinha, apanhou uma faca e saiu em direção do quintal. Andou por algum tempo,
entrou no bananal, furou uma das bananeiras na altura e no sentido de sua
conveniência, afofou o buraco feito na árvore com o dedo na medida de
penetrá-la, abraçou-se no tronco e se
introduziu como se fosse a árvore uma mulher. Fez como aprendeu a fazer
no internato quando adolescente. Beatriz percebendo a fuga o seguiu sob a chuva
torrencial. Escondida, assistiu o pai no último dos desesperos transar com a
bananeira. Ao vê-lo nu, mastro em riste e também já excitada, correu de volta a
casa, retirou a roupa molhada na porta do fundo, e no sofá, se masturbou
pensando no pai, porém, desta vez, não conseguiu atingir o orgasmo esperado. O
pai demorou de voltar. Ela vestiu outra roupa. Escolheu usar, novamente, o biquíni
branco. Na cozinha, ela retirou os peixes do fogo colocando-os sobre a pia. Pôs
o rosto fora da porta do fundo e gritou na intenção de impedir que o pai
gozasse, estava tensa, queria-o em ela. Então gritou,
— Pai! Os peixes estão assados.
Onofre ouviu o chamado e aproveitando-se da
chuva, lavou-se e retornou a casa. Também não obtivera sucesso com a bananeira.
Beatriz já havia retirado as roupas da porta do fundo. O pai chegou. Ela,
cinicamente, perguntou,
— Foi aonde, pai?
— Desconcertado, ele respondeu que tinha ido
procurar pelo dono da casa. Ela fingiu acreditar. Eles comeram os peixes
acompanhados de bananas e dos cocos verdes, entreolhando-se em silencio. Onofre
apanhou um dos cocos com cachaça, desarrolhou-o e bebeu mais goles. Beatriz
novamente teimou em beber da cachaça. Onofre pediu uma toalha, Beatriz trouxe.
Ele se envolveu na toalha, retirou o short e se enxugou. Beatriz o fitou como
fitaria um ídolo em pleno palco sob o foco dum refletor. Onofre não atentou
para a sua conduta. Continuou enxugando-se calmamente. Beatriz se aproximou de
Onofre e falou baixinho no ouvido do pai abraçando-o:
— Pai, eu te amo.
— Eu também te amo, filha. — Onofre responde
mecanicamente.
Beatriz insistiu sobre o gole da cachaça, alegou
estar com frio.
— Tudo bem. — Concordou o pai frisando, — mas um
gole só. — Respondeu enquanto vestia mais uma vez o short espremido por baixo
da toalha.
— Se eu fosse homem o senhor me deixaria beber
mais. — Beatriz argumenta querendo embriagar-se.
— Não é nada disso, filha.
A chuva continuava com o entardecer. Pai e filha
deitaram para descansar. Beatriz deitou na cama e adormeceu rápido. Onofre,
aproveitando uma pequena estiagem, catou mais algumas bananas, apanhou mais um
coco com pinga, desfiou um pedaço da camisa e preparou iscas artificiais.
Arremessou varias iscas no lago em frente à casinha. Amarrou as varas de pesca
na porta da frente e se deitou no sofá. Estava um tanto zonzo pelo consumo da
cachaça e dormiu.
Depois de algum tempo, no meado da noite, com som
da chuva ainda tilintando nas telhas, Beatriz sonhou com o quase afogamento,
viu-se envolta pela água borbulhante, reviveu a pressão nos ouvidos, a confusão
mental, o sufocar e o queimar dos pulmões ao engolir água e areia. Revivia os
momentos da quase morte. O pavor e o medo a sufocavam. Ela tentava gritar pelo
pai mas não conseguia. Pulando da cama abruptamente e arfando num engasgamento
aterrorizador, ela levou as mãos ao pescoço e arremessou-se contra as paredes
do quarto. Onofre acordou assustado, abraçou-a com força, tentou acalmá-la.
Beatriz desorientada se apertava contra o pai até conseguir chorar,
reabilitando desta forma a respiração. Sentia-se confusa, perdida. Onofre
tentava acalmá-la com palavras tolas e frases feita. Não notava que Beatriz
tomava consciência do acidente e acabava de revivê-lo. Ele apenas repetia,
— Calma filha! É só um pesadelo. Tudo vai ficar
bem.
— Ela está aqui! Ela está aqui! — Gritava Beatriz
apavorada.
— Ela quem, filha? — Perguntou Onofre sem
entender o desespero da filha que se mantinha agarrada a ele.
— A morte! Ela está aqui...
— Acalme-se! — Gritou Onofre firme olhando dentro
dos olhos da menina.— Foi um pesadelo. Acalme-se. Venha, volte para a cama.
Onofre, ainda abraçado à filha, a levou de volta
a cama. Deu-lhe água de coco. Beatriz tremula ia aos poucos se acalmando.
— Eu quase morro, pai...e o senhor não sabe nada
de mim! O senhor nem me conhece...
— Beatriz, minha filha, se acalme. Deixe de
bobagens... Vai acabar tudo bem. Nós vamos ficar bem.
— O homem apareceu, pai?
— Não, querida. Fique calma! Eu estou aqui.
Confie em mim. Você teve uma crise de apneia. Foi só isso.
O
frio aumentava, Onofre acendeu o fogão de lenha para servi de aquecedor.
Acendeu também o candeeiro e o colocou no peitoril da janela. Sentou-se à cana,
encostou-se na cabeceira e posicionou a cabeça da filha sobre sua coxa.
Acariciando-lhe os cabelos, ele observou o reflexo da chama dançar nos olhos da
filha. Falando baixo e carinhosamente, tentou explicá-la o que ocorreu,
— Você passou por um momento difícil, minha
linda, descanse. Foi apneia. Provavelmente provocada pela água ingerida no afogamento.
Seu estomago deve ter sido afetado e você deve ter tido um refluxo, e por isso
engasgou-se.
Beatriz se manteve quietinha no colo do pai. Onofre ao olhá-la assim,
amedrontada, deitada em seu colo, lembrou-se das noites que perdera enquanto
cuidava de suas dores infantis. A mãe vivia viajando a trabalho, isso o
obrigava a ser mais mãe do que pai. Só
após a separação, com a perda do processo para mantê-la sob guarda, resolveu
afastar-se.
Agora ela estava ali, em seu colo, fêmea, bela, arrebatadora e ao mesmo
tempo a única e amada filha. Ele a via assim, ingênua, indefesa, frágil,
dormindo em seu colo como uma criança. Ao olhá-la mais atentamente, deixou-se
divagar sobre seus desejos de macho na luta instintiva pelo sexo. Sentiu-se
culpado porque a desejou e pensou: serei eu, menos que um animal? Teria perdido
de todo a razão para agir sob impulsos instintivos. Pensando assim, sentiu-se
mais uma vez o culpado e, admitindo-se pecador, em silêncio rogou por perdão:
"— A ti, ó Senhor, clamo; Tu és o
meu refúgio, e a minha porção na terra dos viventes. Atende meu clamor, porque
estou muito abatido. Livra-me dos meus perseguidores; porque são mais fortes do
que eu. Tira minha alma da prisão para que eu louve teu nome; os justos me
rodearão, pois me fizeste bem."
Poliana versos Alfredo Salim — Segundo round.
Poliana
dormia.
Alfredo Salim tomou conhecimento que Apolônio
comprou todas às ações postas à venda no mercado de capitais, restaurando o
valor e a credibilidade do holding que havia sido posta em xeque. Descobriu
também, que a esposa procurara por Apolônio e pedira a indicação de um bom
advogado. Ela queria o divorcio. Caso ele cedesse, por conseqüência, reduziria ainda mais o
número de ações que ele imaginava ter.
(Flashback — Quando Alfredo Salim armou
estratégia pondo as ações compradas dos diretores afastados com a intenção de
reduzir-lhes o valor no mercado de captais, esquecera-se que as ações que
julgava possuir, além daquelas, não eram dele. Em verdade, elas pertenciam a
Ana Virgínia, irmã bastarda de Onofre. Ela o fizera procurador há tanto tempo
que ele terminou por acreditar ser legítimo possuidor das ações, e, estava tão
acostumado a manipulá-la, que relevava qualquer pensamento contrário. Mas, às ações
eram dela e não dele, e por terem sido herdadas antes do casamento, não
necessitava de permissão ou aval para vendê-las. Como Poliana havia adquirido
as ações que comprara dos diretores demitidos no mercado e, comprara também as
ações de Ana Virgínia, ela terminou por comprar, por intermédio de Apolônio,
todas as ações que Alfredo Salim julgava ser dele. Resultado, Alfredo Salim
estava falido.)
Ao descobrir que estava em maus lençóis e que
aquilo tudo foi uma artimanha de Poliana, financiado por Onofre, Alfredo
apanhou da gaveta um revolver 38 e voltou ao hotel para cobrar satisfações. Na
entrada do hotel ele seria barrado a pedido de Poliana, mas sacando a arma
entrou a força. Os seguranças mais o detetive do hotel foram atrás dele
enquanto Poliana era acordada e avisada, pelo telefone, do perigo que corria.
Escondendo-se no closet, ela pensou em usar a
garrafa de champanhe como arma.
Alfredo Salim, alucinado, invadiu o quarto
arrombando a porta. Poliana saiu de detrás do closet e o acertou no cocuruto
com a garrafa. Zonzo, Alfredo Salim se virou e atirou em Poliana. Mas, por
ainda estar atordoado devida pancada que levou, acertou Poliana de raspão,
levando-a desmaiar. O detetive do hotel que o seguira, chegou no exato momento
que ele atirava em Poliana. E, ao tempo que Alfredo se virou para alvejá-lo, o
detetive atirou acertando a bala entre os sobrolhos de Alfredo Salim matando-o
antes mesmo do corpo tocar o chão.
Poliana foi conduzida a um hospital. Avisado do
incidente, Apolônio foi ter com ela, Ana Virginia, esposa do defunto, também
apareceu. A polícia chegou no hotel. O segurança do hotel contou o ocorrido e
todos, com exceção de Poliana, foram chamados à delegacia para prestar depoimento.
Poliana hospitalizada fora sedada.. Na delegacia, após prestarem depoimento, os
envolvidos foram liberados. No hospital, Poliana permanecia sob o efeito dos
calmantes. Apolônio retornou a holding e descobriu que as busca haviam sido
encerradas pela Guarda Costeira. Agora, apenas os helicópteros da empresa e
Malaquias continuavam tentando encontrar Beatriz e Onofre.
Era madrugada quando Poliana acordou e tomou
consciência do que ocorreu. Não havia imaginado que Alfredo fosse violento a
ponto de tentar matá-la. Esperava sentir remorso ou pena, no entanto, sentiu um
grande alívio dele estar morto. A enfermeira, após detalhar o que soube,
sedou-a novamente. Apolônio saíra da delegacia junto a Ana Virgínia pós prestar
depoimento. Acompanhou-a até a casa dela e foi providenciar o funeral. A
estratégia de Apolônio funcionara,
livrou-se de Alfredo Salim definitivamente, porém, não sabia o que diria a
Onofre. Afinal, Onofre perdeu para a ex-esposa a direção acionária do
holding.
O resgate. Nasce um novo dia
José
acordou durante a madrugada e assumiu o comando do leme no tombadilho.
Atendendo ordem de Matoso, tangenciou a escuna para sudeste indo em direção ao
alto-mar. No horizonte, nuvens carregadas avisavam da vindoura mudança no
tempo. Bem e Bel desceram à cozinha para preparar o desjejum. Malaquias, no
convés de popa, recolhia a linha de arrasto. Nela, uma pescada se debatia no
anzol. Matoso, vendo-o desajeitado, foi ajudá-lo a embarcá-la com a fisga. No
convés, enquanto Malaquias preparava a colher para arremessá-la novamente,
Matoso descamou o peixe para estripá-lo.
Depois de rasgar o peixe guelra abaixo, ele arrancou as entranhas e as jogou no
mar e guardou a ova. Malaquias que o observava atento, questionou,
—
Vai guardar o bucho do peixe.
—
Não e o bucho. É a ova. O caviar. É delicioso. — explicar-lhe-ia Matoso depois
de limpar o peixe, carregá-lo para baixo e entregá-lo a Bem, na cozinha, após
dar as ovas para Bel. Não era necessárias dizer o que fazer. Ele sabia que a
irmã prepararia boa moqueca. Para Matoso nada daquilo era novidade. Nascera
filho de pescador e cresceu no mar. Fora criado no trabalho duro da pesca, o
que ocasionou desenvolver-se fisicamente bem. Ganhou tórax largo de remador,
avolumou cochas e braços além de desenvolver um fôlego invejável. Do mar e dos
peixes tudo sabia e a tudo amava.
O mar encrespava, prelúdio de tempo ruim. A
viração cairia. José avisou com antecedência
da vinda do mau tempo, demonstrado ter conhecimentos náuticos. Matoso
apressou-se em aduchar os panos e amarrá-los ao mastro. O vento repentinamente
mudou, rodopiou. Agora vinha de nordeste e soprava com força. José gritou — é
mar. A escuna sacolejou. Matoso desceu e ligou os motores. José segurava o leme
firme e a escuna retomava navegação e ganhava velocidade. A chuva chegou mansa
com ventos frios e foi engrossando, crescendo, as rajadas de vento ganhavam
força. As ondas cresceram. Sob o tino de José, a escuna transpassava as vagas
encorpadas. Sempre costurando de proa para as ondas maiores, José ia
desviando-se, bandeando de lado a lado. O mastro vestido, gemia, qual uma
mulher em lamentos. Matoso se divertia gritando: — Segura a menina. A cada
grito de Matoso José sorria. A escuna subia nas ondas e despencava de bico,
enquanto os pingos da chuva e as cristas das ondas arremessadas pelo vento
invadiam violentamente o convés. Matoso cambaleou até a viga de proa e se
sentou nela, como se montasse num cavalo, e brincando de vaqueiro cavalgava-a.
Por vezes, era encoberto pelas ondas. No que
José do leme, gritava a cada vez que escuna estourava o lip de uma onda.
— Valeu o boi.
A chuva
engrossava ainda mais. O tempo se fez cinza. Malaquias, morto de medo,
segurando-se na trave e debruçado à borda na popa, vomitava a cada bordejo. Só
foi parar de vomitar depois de se arrastar até o isopor, apanhar e chupar
várias pedras de gelo para diminuir o enjôo. José manejava com precisão e
firmeza o leme. Na cozinha, as meninas equilibravam panelas e amarravam as
coisas. Nesse ritmo, navegaram até adentrarem a noite, o vento abrandar e o mar
alisar-se. A chuvarada estancou como havia surgido, de repente. E desligado o
motor, a escuna retornou aos panos para deslizar suave sobre as águas salgadas
do mar.
Em mais algumas horas, se continuassem os ventos,
poderiam avistar as ilhas. Navegariam no escuro, tendo apenas as estrelas com
guia. Era território proibido. O manto de estrelas luzia. Matoso mirou rumo às
três Marias, iam à direção as cinco ilhas, uma, a do farol, batizada Santa
Bárbara, era de propriedade da marinha, as outras quatro, Redonda, Siriba,
Guarita e Sueste ficam sob a proteção do IBAMA. O que significava barco preso e
cadeia certa, se pegos, é claro. Assim, a tripulação da escuna seguiu viagem,
tomando cuidado para não cruzarem com baleias jubarte, com a fiscalização do
IBAMA ou com alguma patrulha da Marinha.
Acalmada a situação eles jantaram a deliciosa
moqueca de ova. Beberam até fartar-se e dormiram até o amanhecer.
Na ilha. Manhã do terceiro dia
Onofre acordou disposto. Deixou Beatriz na cama.
Ela ainda dormia quando ele resolveu investigar os arredores da cabana.
Procurava por pistas do dono da casa. Havia notado, quando se aliviou na
bananeira, um caminho que seguia paralelo ao riacho que desaguava na lagoa.
Resolveu seguir por esse caminho. Andou a passos firmes até atravessar o bananal, encontrou, depois, uma
roça de mandioca e nela uma bifurcação. Uma trilha serpenteava as margens do
rio, a outra, se estendia sobre um leve aclive. Onofre optou pelo aclive e
seguiu determinado. Galgou o outeiro, e de lá, do topo, avistou um prado, nele,
um paiol de mantimentos construído sobre
pilotis. O paiol não era muito maior que
a casa que invadira. Seguindo o caminho ele desceu ao deposito. Ao chegar,
gritou ô de casa. Esperou resposta e nada. Ô de casa!, e nada. A porta do paiol estava trancada com um
pequeno cadeado e frente à porta havia uma pequena escada. Então, sentou-se nas
escadas para readquirir fôlego. Enquanto descasava notou urubus voando em
círculos. Alguns deles desciam em espiral e desapareciam num lajedo. Renovando
respiração e ânimo, resolveu ver o que atraía a predileção das aves
carniceiras. Imaginou algum animal morto, mas quis ter certeza. E, assim,
retomou a caminhada tendo as aves como guia. Quando se aproximava do lajedo,
ouviu o latido de um cão e sentiu um forte odor. Curioso, caminhou por sobre as
pedras em direção aos latidos e ao cadavérico fedor. A cada passo, o mau cheiro
aumentava. Andou mais um pouco e ao aproximar-se identificou ser um homem. O
vira-lata que estava deitado ao lado do cadáver. Reagindo a sua chegada, o
cachorro correu em sua direção latindo e rodopiando. Onofre estacou. O cachorrinho
mostrou-lhe os dentes rosnando e latindo. Vagarosamente, Onofre agachou-se,
tentando acalmá-lo. Naquele instante, uma das aves agourentas posou sobre o
cadáver. O cachorro deixando Onofre de lado avançou sobre o urubu com destemido
ímpeto. Apanhando pedras soltas, Onofre ajudou ao pequeno canino a espantar as
aves, e, vagarosamente, aproximou-se do cadáver. Olhou e viu um homem de meia
idade, deitado de bruços, inchado, com o corpo arroxeado, língua anegrada e
exposta. Uma das mãos segurava um facão. Presa à perna havia a cabeça de uma
cobra jararaca. Virando o cadáver, Onofre encontrou, no bolso da camisa um
molho de chaves. O cachorro, uma vez afastado os carniceiros veio manso, baixou
o focinho e cheirou Onofre, que permaneceu como estava deixando-se ser cheirado
e lambido. Com algum esforço, ele retirou o facão da mão do falecido. Revistou
enjoado as roupas do defunto e do bolso retirou um molho de chaves. Apesar da sensação de repugnância,
Onofre prendeu o facão no seu short, segurou o corpo do cidadão pelas axilas e
arrastou-o para fora do lajedo onde encontrou terra fofa. O animal
acompanhava-o curioso. Após largar o cadáver, Onofre retornou ao paiol, fez uso
da chave para abrir o cadeado e entrou. Ao olhar em volta, bendisse da sorte
por ter encontrar vários utensílios de muita valia. Dentre outros, ele achou
uma pá, uma picareta, um machado, um rifle 22 com a caixa de balas
correspondente, uma espingarda de cartuchos
de dois canos calibre doze mais seis cartuchos de munição, além de pólvora,
espoleta, enfim, tudo para se confeccionar novas balas. encontrou, também,
quatro tonéis grandes de metal, hermeticamente fechados, contendo
sucessivamente: feijão, arroz, farinha de mandioca e milho. Pendurado num
prego, uma corda de alho e sobre outra prateleira, um punhado de sal grosso,
pimenta do reino, um pote de vidro contendo açúcar mascavo e ao lado um estojo
cheio de apetrechos médicos: gaze, esparadrapo, iodo, alguns frascos de
penicilina, seringas e comprimidos úteis ao dia a dia.
Apesar do pesar pela morte do desconhecido,
Onofre saiu entusiasmado do depósito. Cristão, não deixaria o pobre homem sem
um enterro decente. Apanhou e carregou a pá. Retornou ao cadáver e fazendo uso
da ferramenta cavou uma cova suficientemente funda para encobrir o morto. Uma
vez enterrado, o vira-lata deitou-se sobre a cova e grunhiu como se chorasse. A
cena emocionou Onofre. Então, caminhou até um arbusto próximo e fazendo uso do
facão, confeccionou uma cruz de madeira e cipós. Depois e fincar o artefato
religioso no solo rezou em silêncio pela alma do desconhecido, depois, afagou
gentilmente o cachorrinho e caminhou de volta a casa onde havia deixado Beatriz.
Com a morte do desconhecido morria suas
esperanças de fuga. Mas, pelo menos, sabia que tomando os devidos cuidados eles
sobreviveriam por tempo suficiente para serem encontrados, e assim, fazendo-se
acompanhar do novo amigo em pouco tempo chegou ao seu destino.
Enquanto Onofre vivia as experiências narradas,
Beatriz acordou. Ao acordar, deu por falta do pai, viu os náilon que ele
amarrou na porta na noite anterior e recolheu-os. Esperava ter fisgado algum
peixe. Decepcionou-se. As iscas artificiais não surtiram efeito. Beatriz sentiu
desejo de acender outro cigarro de maconha, porém, lembrando-se da noite desesperadora
que passou, apanhou o saquinho com a maconha e atirou-o no lago. Não tendo nada
por fazer, resolveu arrumar a casa e lavar a cozinha. Queria agradar o pai, e
por isso, caprichou na limpeza. Depois de concluído o trabalho doméstico,
Beatriz sentou-se no sofá e ao rememorar a noite vivida, pensou na morte, tomou
consciência da fragilidade da vida, por pouco não havia morrido no acidente,
então mais do que nunca, manteve a convicção de seduzir o pai. Acreditou ter
perdido a oportunidade na noite passada, contudo, pensou em arquitetar um meio
de subjugá-lo na noite vindoura.
No sofá, Beatriz acendeu outro cigarro, quando,
ao longe, ouviu o latido de um cão. Assustando-se, correu para esconder-se no
bananal. Havia imaginara ser o retorno do dono da casa e, sem a presença do
pai, temeu. O cachorro, mesmo sem vê-la,
sentiu sua presença e disparou correndo na frente. Ao aproximar-se de Beatriz,
fez festa, abanou o rabo e deu pulinhos como se quisesse colo. Manso, ele
cheirou-a, porém, sentindo o odor do medo que ela exalava recuou e latiu.
Beatriz pôs o dedo indicador em riste em frente à boca fazendo sinal
característico de quem pede silêncio e disse para o cachorro — psiu.
Coincidentemente o cachorro atendeu ao pedido quando ouviu a voz de Onofre. Ao
perceber que era seu pai que chegava, sentiu-se aliviada. O cãozinho correu
latindo em direção de Onofre. Beatriz correu atrás empolgada. Onofre contou as
boas novas, falou lamentando a sina do defunto. Beatriz abraçou o pai e entraram
na casa. O cachorro os seguiu e ao entrar na residência deitou-se triste,
colocando o focinho por entre as patas e grunhindo. Sentando-se no sofá Beatriz
perguntou,
— E agora pai. O que faremos.
— Sobreviveremos, é só o que nos resta fazer.
Beatriz teve um ataque de risos inesperado.
Gargalhava sem motivos lógicos, enquanto o pai assistia a cena sem entendê-la.
— O que foi, filha?
— Os náufragos, pai. O senhor assistiu ao filme
em que duas crianças ficam presas numa ilha,
casam-se e viveram felizes... Não me lembro do título.
— Não.
— Só faltam os índios sacrificando humanos do
outro lado da ilha.
— Li um livro cuja personagem principal se
chamava Róbson Crusoé. O livro contava a história de um naufrago inglês que
encontrou um nativo que ele batizou de Sexta-feira...
— Então, pai... Eu sou Sábada...
Onofre sorriu do jeito aloucado da filha e
jogou-se no sofá junto a ela,
— Esqueci de dizer que encontrei um paiol com
mantimentos. Vou buscá-los mais tarde... Deve ter alguma razão para o paiol ter sido construído tão longe. Por que será?
— Pode ser por causa da umidade...
— Não acredito. Talvez haja ratos na ilha. Ratos
atraem cobras. O homem, nosso anfitrião,
o que morreu picado por uma delas, deve ter construído o paiol sobre estacas
para isolar os mantimentos dos ratos. Fique aqui com o cachorrinho. Eu vou até
lá. Não se preocupe. Tomarei cuidado. Esvazie sua mochila e me dê. Vou buscar
alguns mantimentos.
— Dá!, eu não dou, lhe empresto!
— Vai... Esvazia logo a mochila... Vou trazer
feijão, arroz, farinha, milho, sal e o que mais achar importante. Jogue o lixo
no lago, não deixe nada que possa atrair ratos.
— O senhor está exagerando.
Enquanto Beatriz esvaziava a mochila, Onofre se
sentou e disse,
— Você me pediu para contar uma estória,
sente-se. Vou lhe contar uma.
Onofre inicia o relato... São úteis os mangustos.
Em elevados percentuais, vencem as batalhas que travam contra seus principais
inimigos, os répteis. Conta-se que soberano de pequenino reinado, infestado por
mortíferas cobras, leu o conhecido conto de Kípling sobre heroísmo e eficácia
de mangusto a defender um lar colonialistas ingleses, na Índia, contra os mais
terríveis ofídios, matando-os.
Vendeu, então, muitas de suas jóias mais
estimadas e importou valentes mangustos indianos. Ao vê-los em ação, exultou o
Rei, adquirindo centenas de outros mangustos. E, mensalmente, não cessou de
assim proceder, e desapareceram os répteis e o povo ficou feliz e se muitos
diamantes antes ao Rei ofertava, mais passou a dar, trabalhando de sol a sol.
Tristes, porém, nos campos e nas ruas,
perambulavam os mangustos. Em seguida, mostraram-se famintos. Se não havia mais
répteis, de que se alimentariam?
E dizimaram toda a fauna. Depois toda a flora.
Assim, em conseqüência, o manto da morte desceu sobre o pequenino reinado e
todos foram mortos. Diz-se que o último a morrer não foi o Rei e sim um anônimo
cidadão que permitiu conhecida esta história. Usando o diamante, escreveu-a,
penosamente, sobre pedaços de vidro, alguns dos quais manchados com o próprio
sangue.
Moral da história, filha. Sábia é a Natureza.
Sábios os que a respeitam sem as algemas da servitude. Deles, desses sábios —
dos simples aos eruditos —, depende o triunfo.
— Pô, pai. Dessa eu gostei. Significa que apesar
de ermitão, o homem que foi morto aqui, era um sábio. Fique tranqüilo. Eu morro
de medo de cobras. Não vou deixar restos para atrair os ratos que atrairão os
répteis.
— Já vou. Trarei só o necessário, nada a mais.
Não se preocupe. Tomarei cuidado com as cobras.
Onofre saiu, o cachorro o acompanhou. Beatriz
apanhou na caixa plástica um pedaço de náilon, prendeu um anzol,
transpassou uma cabeça da tainha no
anzol pelos olhos e foi à beira do lago pescar. Tempo depois, ela sentiu um
puxão forte. Sem saber o que fisgava, enrolou o náilon na mão e puxou-o com
toda a força. Do outro lado da linha, no lago, uma enorme sucuri serpenteou
levantando a enorme cabeça. A linha de pesca apertou a mão de Beatriz causando
um corte e rompeu-se. Beatriz correu para dentro da casa. Está apavorada.
Fechou portas e janelas. Subiu na cama, enrolou um pano na mão ensangüentada e
se cobriu, escondendo-se.
Não demorou em Onofre voltar e encontrar a filha
apavorada, por sorte, trouxera o estojo de primeiro socorros junto com os
mantimentos. Vendo a casa fechada ele gritou por Beatriz. Ela correu até a
porta do fundo e abriu-a. Fazendo cena, mostrou o corte na mão e contou,
tremula, o ocorrido. Onofre tentou acalmá-la, havia trazido também o rifle e um
punhado de balas. Que viessem os ratos e as cobras.
Depois de fazer o curativo na mão da filha,
Onofre ouviu os latidos do vira-lata, que naquele instante tinha encurralado a
serpente. Apanhando o rifle, Onofre o carregou e correu para descobrir o que se
passava. Ao chegar na beira do lago viu a cobra sendo cercada pelo valente
cachorrinho. Tomando cuidado para não atingi-lo, Onofre fez pontaria e atirou.
Com único tiro ele atingiu mortalmente a cabeça do réptil. O cachorro
continuava atacando e mordendo o animal já morto. Beatriz havia corrido até a
janela para observar o pai. Dando gritinhos ela avisou,
— Pai. Essa cobra se come, eu já comi num
restaurante com minha mãe. Traga a carcaça.
Retirando a sucuri do ataque destemido do
cãozinho, Onofre trouxe-a para a cozinha onde seria tratada. O cachorro seguiu
Onofre até a cozinha. Beatriz animada falou,
— Pai, temos que batizar o cachorro.
— Arranje a Igreja. — Respondeu Onofre com
ironia.
Beatriz o cutucou com o cotovelo e disse,
— Você entendeu o que eu falei, pai.
— Sim, entendi. Um bom nome para ele é Mangusto.
— Mangusto? Que nome besta!, pai.
— Ele agiu como um mangusto. Tenho que admitir..
Esse cachorrinho foi de muita serventia.
Beatriz apanhou a faca e começou a tratar a
cobra. Abrindo-a, retirou-lhe as entranhas e as atirou para o cãozinho que as
comeu com apetite extremado.
— Ele estava morrendo de fome, pai. Vamos
chamá-lo de Brutos.
— Um vira-lata desse e você quer chamá-lo de
Brutos, filha... se fosse um fila ou um ...
— Deixe de preconceito, pai. Não é o tamanho que
faz diferença... digo porque sei. O nome
dele é Brutos. Quer ver?
Segurando um pedaço da carne da cobra ela se
agachou e o chamou,
— Venha, Brutos... vem.
O cachorro abaixou a cabeça e balançando o
rabinho, atendeu ao chamado, lambeu a mão de Beatriz e mordeu o naco de carne.
Deixando de lado o cachorro, Beatriz voltou a tratar a cobra, enquanto, Onofre
acendia o fogão.
Depois de retirar totalmente a pele, carne foi
tratada com pimenta e sal. Beatriz retirou pedaços para uso imediato e
ressalgou o restante para pendurar ao sol. Aos poucos o casal sentia que aquela
aventura, por mais esquisita que parecesse, impregnara-se de prazeres. Beatriz
já não sentia vontade de retornar a civilização e, aos poucos, novas e boas
sensações eram acrescidas ao espírito de Onofre. Sem haver percebido no início,
ele tinha finalmente a possibilidade de viver a infância roubada. Pescava e
caçava, subia em arvores, cozinhava, enfim, esqueceu-se quase por completo do
resto do mundo. Vivia uma aventura nunca antes imaginada. Estava feliz com essa
vida e se distanciava cada vez mais do
seu eu anterior. Aos poucos, ele foi se dando conta do fato de ter vivido toda
a sua vida sobre pressão, e agora, estava aprendendo a relaxar.
O almoço foi memorável, pai e filha se
empanturraram de feijão, arroz e sucuri. Até Brutos ficou empachado. Beatriz se
deitou no sofá com Brutos. Onofre, na cama. E abraçados pela maresia dormiram
mais uma vez.
Poliana e o delegado.
10
horas da manhã. O médico assinou a alta da paciente. Dois policiais
esperavam-na para escoltá-la. Ela teria de atender uma intimação sobre a morte
de Alfredo Salim. Poliana é levada à delegacia para prestar os devidos
esclarecimentos.
Passando
pelo alvoroço de policiais e investigadores, Poliana foi conduzida a uma
pequena sala onde encontrou o delegado. Ele era um homem alto, forte, um mulato
com cara de poucos amigos. Tinha feições largas e olhos puxados. A estampa era
típica do povo peruano. Samuel era delegado de carreira. Formara-se em direito
para atender exigência de lei, pois, já atuava na área a vinte e dois anos.
— A senhora pode se sentar. — Disse o delegado,
seco.
A cadeira estava lotada de pastas e processos.
— A cadeira está ocupada. — Avisou Poliana.
— Desocupe! Pode por as pastas encima daquele
arquivo de ferro.
Meio sem graça, de cima de seus saltos altos,
Poliana levou as pastas ao arquivo. Ao tentar colocá-las sobre ele, as
borrachas elásticas que prendiam a papelada se romperam e ela se espalhou pelo
chão.
— Deixe essa merda aí, dona! — O delegado,
irritado, gritou — Nota Dez!
Apareceu um senhor baixinho de cabelos brancos.
Ele falou gentilmente,
— Não se preocupe madama, eu cato. Poliana
agradeceu, retornou à cadeira sentou-se. Olhando nos olhos do delegado, ela
disse que não precisava mandar escolta já que ela não era criminosa.
— Foi para sua segurança, senhora. Já leu os
jornais.— Respondeu seco o delegado.
— Não! — Respondeu fria, também, Poliana.
O delegado lhe entregou um exemplar. A manchete
estampava: Empresária envolvida em crime.
— Isso é coisa da imprensa marrom. É um pasquim
sensacionalista. — Revoltou-se Poliana devolvendo o exemplar ao delegado.
Guardando o jornaleco, o delegado deu
continuidade à investigação,
— Devo comunicá-la que sua situação é
comprometedora. Segundo apurações, à senhora negociou na CVM parcela
significativa de ações... A senhora trabalha em quê?
— Sou jornalista.
— Quanto ganha?
— Está na minha declaração de rendas, mas ganho
razoavelmente bem.
— Quanto é este razoável? — O delegado perguntou
levantando a mão e roçando o polegar no indicador, fazendo o sinal
representativo de dinheiro em espécie.
— Deixe-me ver, — calculou, Poliana, — R$ 2.800,00 + R$ 8.000,00. Uns 13 ou 14 mil
reais.
— Digamos quinze.— Arredondou o delegado — Como,
então, a senhora negociou ações no montante de 3,5 bilhões na bolsa de valores?
— Não tenho porque mentir, doutor. Realmente
fiquei pasma ao tomar conhecimento que meu ex-marido tinha deixado uma soma
significativa de dinheiro para que eu fizesse uso. Ele me deixou também um
grande número de ações do holding Jacinto & Souza S A. Empresa que agora
sou acionista majoritária. Quando autorizei a nacionalização desse dinheiro, ordenei
Apolônio, para fazê-lo legalmente. Tudo
dentro da legalidade. Pagou-se todos os impostos... Pelo menos, foi assim que
eu autorizei. Meu ex-marido é multimilionário, herdeiro de várias empresas
espalhadas pelo mundo. Ele negocia com gado no Canadá, petróleo no Uruguai,
fármacos na Europa, construção civil em vários paises além da Indústria Hoteleira.
Através de uma subsidiária ele está financiando pesquisa com plantas e insetos
na Amazônia Brasileira e pelo que sei tem amigos influentes.
— Quem sabe, fabrica drogas também. — Ironizou o
delegado.
— Já falei dos fármacos...— Rebateu a ironia,
Poliana, demonstrando fidalguia.
— Referir-me a drogas ilícitas.
— Não! Onofre não se mete com coisinhas. Disso eu
tenho certeza. Se ele se interessasse, aprovaria uma lei liberando o consumo no
Brasil. Se quisesse, acredito, no mundo. Nesses últimos dias aprendi que às
leis são criadas de acordo com as necessidades e as vontades duma pequeníssima
nata. E, essa nata são os pais e mães das leis e das pessoas...
— Caso esse discurso tenha a intenção de me
assustar, saiba que não funcionou. Seu marido poderia ser o presidente da
República. E isso não me diria nada. Mas, essa negociata, esses pormenores,
cabe ao delegado federal, ao procurador geral da República e aos fiscais do
imposto de renda. Minha função é desvendar o assassinato do dr Alfredo Salim.
—
Então eu posso ir. Eu não matei ninguém. Pelo contrario, fui vítima de uma
tentativa de assassinato. Fui salva pelo detetive do hotel a quem vou
recompensar. Ele está preso?
—
Não... Mas as coisas não são tão simples... a senhora era amante do morto.
—
Não é bem assim.
—
Como não? A senhora foi flagrada nua com ele na cama. Não foi?
—
Fui.
—
Então?
—
Então... que ele queria comprar minhas ações, foi ver-me, e tivemos um impulso
sexual.
—
Sei! Impulso sexual?
—
Sim! Foi apenas um impulso sexual.
—
Engraçado. A senhora sente um "impulso sexual" e telefona para avisar
a mulher dele...
—
Exato! Há muito tempo ele me queria, e eu quis mostra a mulher dele quem ele
era...
—
Coincidentemente, seu marido desapareceu?
—
Ex-marido, por favor...
—
Que seja! A senhora acredita mesmo em coincidências. Onde está seu ex-marido?
—
É tudo que eu queria saber... Minha única filha está com ele.
Os
olhos de Poliana se avermelharam e ela chorou. O delegado lhe ofereceu um
lenço. Ela aceitou e disse,
—
Toda essa tragédia aconteceu exatamente por causa do desaparecimento de minha
filha. Eles saíram numa viagem de férias e desapareceram.
—
Disso eu já tomei conhecimento... Quando eles desapareceram, onde a senhora
estava?
—
Estava em Brasília. Tinha ido fazer a cobertura do escândalo na Câmara.
—
A senhora está de brincadeira. Sua filha desapareceu e a senhora viajou para
fazer entrevistas. Depois apareceu e descobriu que ganhou de presente bilhões
de reais... armou uma arapuca para o sócio de seu marido que terminou morto. E
é tudo obra do acaso.
—
O senhor está me acusando?
—
Eu busco a verdade dos fatos. É esse meu trabalho. Vamos recapitular...
—
Não digo mais nada sem um advogado.
—
É sempre assim. Vou liberá-la, mas se restrinja a nossa cidade. A qualquer
tentativa de fuga será presa. Por outro lado, se a senhora quiser confessar,
pode conseguir ser beneficiada com a delação premiada.
—
Com licença, doutor... — Poliana deu risada sobre a tal delação premiada.
Quando iria levantar-se, o delegado lhe falou,
—
Sabe o que eu acho, madame? Acho que a senhora está mancomunada com esse tal de
Apolônio. Acho que ele mandou raptar seu marido usando sua filha como isca,
obrigou seu marido a transferir às ações para seu nome e arrancou os bilhões
necessários para armar uma arapuca para o sócio dele, que por via de fatos era
seu amante. Então, você armou o flagrante para a viúva descobrir que o marido
tinha um caso com a senhora, para revoltada, ela vender às ações dela. O doutor
Alfredo descobriu e foi atrás da senhora... Só não sei se o investigador do
hotel estava envolvido no esquema ou se ele entrou no lance por conta do
ofício. Mas esteja certa, senhora. Eu vou descobrir.
Poliana se
levantou e perguntou se já podia ir embora. O delegado disse sim e ela saiu sem
mais comentários. Após retornar ao hotel, Poliana telefonou para Apolônio.
—
Apolônio?, Sou eu, Poliana. (...) Quero um bom advogado criminalista.(...) O
delegado é louco. Ele acredita que nós raptamos Onofre e armamos o assassinato
do Alfredo. Outra coisa. Eu quero que você contrate um advogado especializado
em operações na bolsa de valores. (...) Como? Nós temos um departamento
inteiro... Ótimo! Vou ser intimada pelo procurador geral da república e dizem
que a CVM está nos investigando. (...) (...) (...) Então... ótimo. Teve
notícias de Malaquias.(...) Fora de área, sei. (...) Não! Estou presa aqui. Só
posso rezar para que Malaquias obtenha sucesso onde os especialistas em salvamento falharam. (...)
eles continuam... Ótima noticia. Agradeça a esse seu amigo.
Poliana
começou a acreditar no pior. Lutou para manter acesa as esperanças. Sua vida
estava sendo atingida por um maremoto. Engolindo dois calmantes, ela ligou o
televisor e se sentou para acompanhar as investigações nas CPMIs. O telefone
tocou novamente. Era Nogueira para agradecer seu regresso ao jornal com o substancial
acréscimo no salário.... Desligando o aparelho telefônico, Poliana passou o
tempo assistindo, pela televisão, das dificuldades enfrentadas pelo Delcídio
Amaral, presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Correios, de obter quorum
necessário para quebra de sigilo bancário de algumas corretoras de seguro, que
teriam lesado alguns fundos de pensão em operações de compra e venda de títulos
públicos... E assim, continuavam as investigações das CPMIs. Sentia-se no ar
aquele cheiro característico de pizzas à portuguesa, à carioca, à baiana, à
capixaba, etc.
O resgate 3
A
escuna navegava lentamente ao amanhecer. Malaquias dormia na cabine. José, Bem
e Bel dormiam sobre colchonetes no convés da popa. Matoso havia passado a noite
conduzindo à embarcação, mas se aproximavam da ilha, então ele resolveu
ancorá-la. Seria perigoso levar o barco adiante. Matoso afrouxou a buja e jogou
ancora. Olhando pelo binóculo, já se podia avistar a ilha Redonda. Navegar,
naquela rota, com maré de vazante era
perigoso. Matoso preferiu esperar a preamar. Bel acordou primeiro e
chamou Bem e José. José deu com a mão, resmungou, ajeitou-se e voltou a dormir.
Bel desceu para a cabine e acordou Malaquias. Malaquias se levantou
resmungando. Seus olhos fundos mais a cara inchada mostravam a noite mal
dormida. A barba azulada tomava corpo no rosto cansado.
—
Estou com uma puta ressaca, morena. Tem café? — Pergunta Malaquias ajeitando o
cabelo com as mãos e se sentou na cama estreita.
—
Tem.. mas está gelado... está no quente-frio. Vou passar um outro novinho pra
gente. — Respondeu-lhe Bel enquanto bulia nos armários.
—
Faça isso... Desculpe-me pelas decepções. — Malaquias se desculpava pela falta
de apetite sexual para com ela.
—
Bobagem, lindo. Acontece com qualquer homem. — Bel, séria, tentava minimizar a
angústia de Malaquias frente à falta de tesão.
—
Comigo nunca tinha acontecido. Ainda mais duas vezes seguidas.— Desculpou-se
malaquias
—
Espero que não seja por minha causa. — Rebateu Bel.
—
Não, não foi. Você é linda. — Malaquias tentou contornar o constrangimento.
—
Às vezes é o ambiente. — falou Bel carinhosamente.
—
Pode ser.
—
Se quiser trocar eu falo com a Bem... Talvez ela... — Ainda se acreditando
culpada pelo fracasso sexual de Malaquias, Bel propôs a ele tentar fazer sexo
com a amiga.
—
Não! Sexo não é o motivo de estarmos aqui... — Assumia, Malaquias, o fato de
estar interessado em sexo.
—
Você ta é arriado por alguma mulher... Homem é assim, quando apaixonado, broxa
mesmo... Com ela sobe?
—
Sempre subiu com todas. Só agora aconteceu isso comigo, mas não foi por você.
Sou eu mesmo o culpado. Estou me sentindo distante, preocupado... deixe isso
pra lá, esqueça.
—
Fique na sua. Se me perguntaram digo que você foi maravilhoso.
—
Obrigado, mas é desnecessário mentir. Se perguntarem, diga a verdade.
—
As Mulheres não tem esse problema, quando acontece com agente, e acontece muito
mais freqüentemente do que vocês homens imaginam, fingimos gozar, e fica tudo
ótimo.
—
Vou subir. Você leva o café lá para cima? — Perguntou Malaquias.
—
Levo. Quer com leite.
—
Não. Quero preto, com pouco açúcar.
Malaquias
subiu ao tombadilho. Matoso estava sobre a balaustrada preste a mergulhar, na
mão direita segurava um arpão, feito de alumínio até quase a ponta. A ponta era
um vergalhão de aço preso ao corpo do arpão com a ponta afiadíssima, e, na
outra extremidade, uma borracha roliça amarrada de maneira a formar círculo.
Levava na outra mão uma bóia de isopor atada ao arpão por um cordão de náilon
trançado. Matoso mergulhou com os apetrechos. Malaquias caminhou até
balaustrada com intenção de mergulhar. Mas, ao subir na borda da escuna, Bem
gritou alertando-o,
—
Não pule! Tubarão!
Malaquias
desceu rápido de volta para o tombadilho e indagou,
—
Onde?
Bem
apontou a barbatana do tubarão que cortava a flor d'água, rodeado por
golfinhos.
—
Matoso está na água. —Malaquias avisou assustado.
—
Não se preocupe. Ele e os golfinhos são como irmão. Eles se ajudam sempre. Você
vai ver quando chegarmos na ilha. É lindo ver os golfinhos cercando um cardume
e levando a beira da praia para Matoso tarrafear... Matoso foi matar o cação
para que ele não coma os filhotes. Matoso é meio-irmão desses mamíferos.
Malaquias
passou a observar a barbatana do predador. De súbito a bóia de isopor saiu em
disparada e o sangue avermelhou a superfície do mar. O tubarão estrebuchou se debatendo. Um golfinho nadou velozmente em
direção ao tubarão e lhe acertou uma focinhada, depois outro golfinho e mais
outro, até que o terror dos mares boiou de papo pro ar. Matoso voltou a nado em
direção a escuna puxando o peixe, sendo acompanhado pelos saltitantes
mamíferos. Alguns deles saltavam girando no ar antes de mergulhar novamente,
outros, flutuavam sobre as nadadeiras água, como se andassem para trás em
deslumbrante coreografia. José que perdeu o espetáculo se levantou perguntando
o que foi. Viu Matoso nadando e puxando o cação pela bóia de isopor. José
correu e apanhou a fisga. Matoso chegou à escuna e embarcou. José, Malaquias e
Matoso ergueram o tubarão de aproximadamente 2 metros para dentro da escuna com
muito esforço. Malaquias deu com um pau na cabeça do peixe para ter certeza que
ele havia morrido. O sangue escorreu pelas guelras. Matoso apanhou uma faca e retirando
pedaços da carne do peixe jogava para alimentar os golfinhos que continuavam na
estripulia. Arrancada à barbatana do cação, Matoso gritou Bel. Bel subiu,
apanhou a barbatana e perguntou.
—
Pra agora?
—
Claro! — Respondeu Matoso.
Bel
disse a Malaquias que o café estava pronto, mas o aconselhou a esperar o
escaldado,
—
Levanta até pau de defunto, Malaquias...
José
se encostou no patrão e perguntou:
— Broxou,
chefe? Malaquias bateu a cabeça dizendo sim. — Bem, que ouviu a pergunta, disse,
—
Comigo não broxava. Eu chupava esse cacete mole pela cabeça com tanta vontade,
que o sangue enchia a rola toda. Comigo não tem rola que não suba. Quer ver,
Malaquias?
Malaquias agradeceu a presteza de Bem, alegou
falta de vontade. José se ofereceu para trepar com Bel, Malaquias disse que
tudo bem se ela quisesse. Bem beliscou a bunda de José e o chamou de descarado.
José desceu para a cabine onde se encontrava Bel. Vendo que José desceu à cabine
para bolinar Bel, Matoso beijou Bem romanticamente. Malaquias achou todo aquele
displicente envolvimento sexual despropositado. Talvez, pensou Malaquias, toda
aquela naturalidade tenha lhe minado o desejo. Ali a sedução era desnecessária,
as mulheres, simplesmente se revezavam para o coito com qualquer um que fosse,
sem posses ou ciúmes. Ele estranhou principalmente a naturalidade de José. Uma
vez que ele havia se demonstrado muito ciumento com relação à companheira.
Ainda pensativo, Malaquias voltou para a sombra
na popa, se sentou e refletiu sobre tudo aquilo que esta vivenciando. De
súbito, lembrou-se do filho. Queria-o ali, com ele, e sentindo saudade e
chorou. Chorou um choro contido, pesado. Bem notou que Malaquias se afastou
tristonho, olhou para Matoso que havia acabado de limpar o peixe, andou até a
caixa térmica de isopor, apanhou duas latas com cerveja e foi para junto de
Malaquias. Entregando-lhe uma lata com cerveja e bebendo um gole da outra,
perguntou,
— Está triste, patrão.
— Estou. Queria que meu filho estivesse aqui.
— Por que não o trouxe.
Os olhos de Malaquias se encheram de lágrimas. Lagrimas
emergida do fundo da alma, lagrimas irreprimíveis. Malaquias lamentou de nunca
ter navegado com o filho ou jogado futebol
ou o levado às farras. Exigira do filho disciplina e estudo.
Proporcionou boas escolas, roupas, dava-lhe presentes, mas agora, buscava na
memória um momento de ternura, de companhia, de amizade, mas buscava-o em vão.
Esteve sempre ocupado demais tentando salvar o País. Queria um mundo melhor
para o filho, e por isso, se negava a ele. Negava a amizade e a convivência
paternal. Caso não fosse o trágico destino, quem sabe poderia tê-lo feito
agora?
Bem andou até o tombadilho, apanhou o binóculo e
retornou. Entregando-o a Malaquias ela apontou a localização da ilha dizendo,
— Olha lá! Vai ver a ilha Redonda.
— Por que não vamos logo.
— A maré está de vazante, ficaríamos encalhados.
Temos que esperar a maré cheia.
— Demora?
— Um pouco. Daqui a pouco o mar chega à maré
baixa, seis horas depois começa a encher, enche por seis horas, fica cheia,
depois volta a vazante...
José apareceu abraçado a Bel, caminhavam
sorridentes e traziam copos com o escaldado de barbatana de tubarão. José
trouxe um copo e o entregou a Malaquias.
— Obrigado, José. — Malaquias bebeu o caldo em
pequenos goles. José, Bem e Bel sentam-se próximo a ele. Malaquias se mostrava
pensativo. Bel perguntou se ele estava bem, ele iniciou um discurso
reflexivo,
— Meu filho foi morto por dois assaltantes. Eu
queria odiá-los mas não posso. Sei que ninguém escolhe ser criminoso no sentido
simples da palavra... Algumas pessoas possuem índoles menos pacíficas, mas,
mesmo essas pessoas só se tornam criminosas devido falta de oportunidades.
Nascemos um livro em branco, mas somos preenchidos por experiências a cada
minuto. Olhe Matoso se arriscando para matar o tubarão em defesa de seus amigos
golfinhos. Vejam sua coragem. Por que Matoso é um herói e não um criminoso?
Mas, facilmente poderia sê-lo. Imagino a vida do assassino de meu filho.
Imagino uma infância dura... O pai... provavelmente um homem honesto que
acordava as 4 ou 5 horas da manhã e repetidamente. Todos os dias a mesma
rotina. Os anos iam passando... repetindo-se, sem que ele nada conquistasse de
melhoras, até que desesperançado buscasse refúgio no álcool... A mulher, sempre
exigindo pequenas melhoras que nunca aconteciam... sempre grávida... Aí, as
discussões terminariam por se tornar violentas...e a criança assistindo a tudo,
assustando-se, acostumando-se a tudo... à noite... o medo... os estampidos da
trocas de tiros: hora traficantes contra traficantes, hora traficantes contra a
policia... e o pavor... este sentimento corrosivo... Ah!...a preocupação... e o
pai que não chega... a mãe que chora... e impotente à criança se agarra na
esperança de que isso um dia acabe... E ela vai crescendo... à prestação, os
sentimentos lhe são cobrados... de ira... raiva... mês a mês... cobrando-lhe a
esperança... e o menino cresse e vai vender picolés.. ou vai engraxar
sapatos... e não raro algum menino maior lhe toma o ganho... e os tiros, sempre
os tiros em meio ao dia, à noite... já não existe hora para os tiros...para os
tiras... a morte transforma-se em coisa comum...o menino já não sente medo...
ele sonha... e pede aos pais o que eles não podem dá-lo... e o menino cresse
com os sentimentos que conhece de raiva, de inveja, de abandono... e o menino
vê os filhos dos ricos e seus carros importados...e ele cresce acreditando-se
inferior... e surge de novo a inveja... e ele é preto... e ele é pobre...
ninguém liga para o que ele sente... e ele aprende a tomar o ganho dos
menores... já não sente remorsos... e o traficante lhe dá o craque... a fuga da
realidade... e daí em diante o mundo sorri para ele... ele começará empinando pipas para avisar da chegada da
polícia... até ser adolescente... adolescente será discriminado pelas
meninas... é pobre... é feio... fede... e o traficante lhe dá a arma...
Indica-lhe os caminhos... e ele já pode voltar a sonhar... a branca não mais o
achará feio...ele tem poder... tem fama... tem nome... e a branca lhe faz
agrados, e o obedece... o pai, já não bate na mãe, o teme, se resignou...a mãe
ganha os vestidos e os balangandãs que
sempre sonhou... e ele agora é homem... e vê o filho do barão...o carro
bonito... o relógio bonito...o relógio... e ele que já não sente medo, remorso
ou culpa devido a todos os anos de sofrimento... Ele só se lembra da inveja...
da infância que lhe foi negada... agora, só sente ira... já não basta roubar o
relógio... a inveja... o estampido... a morte do inocente... ninguém é
inocente... Sim, eu imagino o que o assassino que matou meu único filho sofreu.
Sei dos que sofrem por causa da ganância maior, da ganância de uns poucos
poderosos... Homens que massificam a miséria... Homens que nunca viram buracos
de bala na fachada de sua casa, homens que nunca sentiram pavor. Eles foram
acostumados desde a infância a serem mimados, bajulados, protegidos. E como
sempre foram protegidos por sua posição social, nunca viveram na penúria,
raramente se encontraram em dificuldades ou em perigo, e por isso, nunca chegam
a compreender o quanto é difícil suportar as adversidades. Esses homens se
consideram seres superiores, predestinados a governar. Acreditam que as classes
inferiores devem servir a sua arrogância e a seu egoísmo. Para esses homens, só
sua vaidade é importante. Eles estão acima de seu País, de seus irmãos, de seu
próprio povo. Vivem estudando com o diabo estratégias e táticas mirabolantes de
usufruírem benesses... e mentem... e enganam... e impõem pela força... e querem
sempre mais e mais. Eles não têm limites... roubam até as migalhas. A ganância
e a vaidade neles os corroeram a tal ponto que suas almas sequer imaginam o que
seja bondade, dignidade, ou qualquer sentimento nobre... Lucros e mais lucros é
tudo que importa! Foram esses homens que criaram a situação que levou o
assassino a matar meu filho. Sim. Foram eles. Foram eles, e não o pobre coitado
que puxou o gatilho. E eu tenho certeza, que o matador não viverá até os trinta
anos. A policia, quando encontrá-lo ira executá-lo. Sai mais barato para o
governo. Lucro... lucro... a qualquer custo... Lucro...
— Acalme-se Malaquias. Sei que é duro perder um
filho. O meu morreu dias após o parto, era para eu ter tomado uma vacina, o
posto não tinha, meu filho morreu de tétano!
— Chega de sofrimentos! — Gritou Matoso.— Vamos
fritar uns tira-gostos e beber. Salve minha mãe Iemanjá e meus irmãos do mar.
Malaquias pede mais do caldo de barbatana Bem vai
buscá-lo para ele. Enquanto a maré não enche, a festa continua...
À tarde na ilha.
Beatriz
acordou por volta das 3 horas da tarde. Onofre da cama despertou um pouco
depois mas se forçou a permanecer deitado. Beatriz se levantou, foi à cozinha,
remexeu em sua mochila e encontrou um saco plástico com açúcar mascavo.
Apetitou-se do doce e teve uma de suas alucinantes idéias. Apanhando um copo o
encheu até à metade de açúcar mascavo, apanhou um pouco da cachaça de dentro do
coco e fez um melaço. Voltou ao sofá, sentou-se com as costas no braço do
móvel, colocou uma perna sobre o encosto e a outra no chão, abrindo-se. Brutos
se sentou e ficou observando-a enfiar o dedo na pastosa mistura e lambê-la no
dedo. Atento, o cachorro balançava o rabo como pedisse sua parte. Da cama,
Onofre assistia a cena da filha, ele estava entre o sono e o despertar. A
exótica mistura gotejava no biquíne interposto ao sexo da menina displicente.
Brutos, instintivamente, subiu no sofá, deitou-se com o rosto por entre as
pernas de Beatriz e lambeu cada respingo. A concupiscência dela contrastava com
a inocência do animal ao lambê-la. E, quanto mais o animal lambia o melaço
alcoolizado, mais e mais ela lambuzava o biquíni. No auge da excitação, expôs o
sexo besuntando-o. Brutos continuou sua ação instintiva. Da cama Onofre
assistia a tudo como se sonhasse. Ficou excitado, mas estava sonolento. Beatriz
se contorcia em prazer. Onofre via ali sua filha sem ter certeza de estar sonhando.
Seus pensamentos tomaram proporções insanas e o levaram ao delírio. Ainda
sonâmbulo, tenta racionalizar entre o tesão a culpa:
—
Tento entender o porque desta segunda cabeça... Para mim bastava a que produz,
anda, trabalha, reproduz, consome, sustenta e me alimenta... Não vejo nenhum
sentido em pensar, imaginar, precaver. Pudesse eu a deceparia. Tiraria este
peso que me vejo obrigado a carregar entrevando minha vida... Invisível,
maldita, incompreensível e dogmática a acorrentar-me como a um animal
raivoso... Desnecessária mordaça a impedir-me o grito. Não... não mais
aceitarei a sua presença a me induzir a recuos constantes. Caminharei no meu
desequilíbrio sem recuar, viverei sem medos. Afinal, por que esta cabeça a mais
nasceu em mim? Ou terá sido colocada quando ainda inocente acreditei em sua
necessidade? Não me recordo... Ela me impede a memória de sua falta, ela me
cega a solução por decepá-la... Seria Deus a castigar-me por atos de vida
vivida onde o prazer se fez esquecimento? Por quê? ... Tanto tenho ainda a querer e sei o quanto ela me impedirá nas
conquistas... ela expõe precipícios tolos e irreais diante de minha vontade, e,
por mais que queira avançar recuarei novamente...a menos que eu dela abra mão.
Mas, como abrir mão de algo tão irreal, tão inexistente que só eu a vejo, só eu
a sinto, só a mim ela escraviza. Como arrancá-la se nem ao menos posso
tocá-la... Dela sei e suporto a duras penas sua presença. Dela os medos, os
preconceitos, as culpas, as experiências não vividas, os amores desprezados...
Quero uma guilhotina de lâmina afiada para que eu posso ser o carrasco e a
vítima... Quero-a morta, sega, surda, sumida como sumido o meu não-fazer. Por
que a temo tanto, e no entanto, a desprezo? Por que tenho medo de vencer o medo
do prazer? Não! Terei a coragem de pelo menos não escutá-la mais, fingirei que ela
não existe, e quando disser não, direi sim, e assim a castigarei pelos tantos
que perdi. Sim! Ela minguará a cada ato de coragem, a cada persistência de uma
atitude tola, ela minguará a cada mágoa vencida, a cada arrependimento
sobrevivido e assim serei seu carrasco. Pularei em seus abismos e gritarei que
estou livre... Livre!, livre para ser apenas um ser que vive sem covardia.
Livre para ser meu juiz, meu júri, e meu próprio carrasco. — Sim! ...Não!
Talvez esteja me precipitando. Será? Será que não há nela uma função? Será que
a dor imposta a mim por ela: a razão, o conhecimento, a prevenção dos fracassos
tão necessária?...Oh! Deus!... Ela me domina novamente em espasmos
constantes... Quero lutar, quero amar inconseqüentemente... Não, não quero o
sofrimento de um amor perdido, não quero a dor de uma nova traição... Quero amor! Saia! Suma de uma vez por
todas... Neste combate serei eu a vencer, pularei seus precipícios sem normas
ou culpas. Que me castiguem se errado estiver... Dilacerem meu espírito,
rasguem minha alma... Deus! Eu estou apaixonado por minha filha...
Quando Onofre rolou na cama para se levantar. A
cama rangeu. Beatriz empurrou Brutos e se cobriu ajeitando o biquíni, depois se
levantou e foi ao banheiro, Lavou-se e ao biquíne. Pendurou o vestuário na
torneira do boxe e se enrolou com uma toalha amarelada. Ao sair do sanitário,
Onofre que a esperava na porta, entrou para banhar-se também. Estava em dúvida
se sonhara ou vira a filha em ato de zoofilia erótica. Terminou por admitir de
uma vez por todas de seu desejo incestuoso. Beatriz por outro lado tentava
entender porque o pai a recusava e fugia de suas investidas. Estava com raiva e
pensou que era chegado o momento. Repetia-se, mentalmente, que a vida era
breve, a morte era certa. Viver seu louco amor incestuoso e metafísico era um
fim necessário... E decidiu, então, que
não venceria o jogo a menos que desse as cartas. E assim o faria.
Esperaria a noite, convenceria o pai de beber com ela. O álcool venceria suas
últimas defesas e ela atacaria...
Pai! — Gritou Beatriz da porta do sanitário —
Posso tomar outra caipirinha.
— Depois. Deixe-me terminar o banho.
— Vou catar os limões e colocar um dos cocos na
água da cisterna para esfriar.
— Boa idéia. Vou esperar.
Beatriz vai até o limoeiro e cata limões-bravos.
Apanhou seis unidades maduras e voltou para casa. Com dois dos cocos com
cachaça catados anteriormente pelo pai, amarra-os com náilon e joga-os na
gelada água da cisterna. Os cocos ficaram boiando na água fria enquanto Beatriz
descascava os frutos azedos, cortava-os em quatro, mistura-os, num copo com o
açúcar-de-rapadura e os espremia com o cabo da faca. Onofre saiu do sanitário.
Procurou pela calça jeans. Estava no varal e molhada. Ele ficou apenas de cueca. Andou até a
cozinha pediu desculpas pelos trajes. Beatriz riu, disse que ele está bonito e
pediu ajuda. Enquanto Onofre continuava a macerar os limões, Beatriz recolheu
os cocos e pôs fartas doses de cachaça nos copos com açúcar e limão,
— Só vai beber uma, filha. Não quero ninguém
bêbado aqui.
Beatriz alimentou as chamas do fogão, foi ao
varal recolheu pedaços salgados da cobra e retornou a cozinha. Na cozinha, entregou
a Onofre os nacos de carne e ficou abanando o fogo para elevar as chamas.
Onofre jogou um pouco da cachaça e a labareda subiu de vez. Beatriz
assustou-se.
— Porra, pai. Quer me queimar.
— Desculpe-me, minha princesa. Foi sem querer.
Onofre abraçou e beijou a filha. Beatriz segurou
o rosto do pai e o beijou no queixo bem próximo aos lábios. Depois deu um
rápido beijo na boca do pai.
— Que é isso, filha. — Onofre se sentiu
desconfortável mas no íntimo gostou do assanhamento.
— O que foi pai. Não tem nada demais eu lhe dar
um beijo em sua boca. Existem beijos e beijos... Beijos quentes de língua,
chupão, selinho... Você devia saber.
— Sei, mas você é minha filha.
— Você tem absoluta certeza? Em seu lugar eu não
teria...
— O que você quer dizer com isso...
— Ouvi minha mãe dizer que lhe traiu. Que eu não
sou sua filha.
— Você não se considera minha filha?
— Não foi isso que eu quis dizer, pai...
Beatriz bebeu a cachaça de um gole só. Onofre
tentou arrancar o copo da mão dela, mas ela se virou rápido e terminou de beber
todo o liquido antes de pedir,
— Quero outra!
— Não! Você esta descontrolada. Conte-me direito
esta história.
— Eu ouvi mamãe dizer a Magalí que eu não sou sua
filha.
— Mas você é minha filha. Não tenho a menor
dúvida sobre isso.
Onofre ficou nervoso, tentou se controlar, estava
tremulo. Olhando fixamente para Beatriz disse que ela teria que lhe contar toda
aquela história direito. Beatriz preparou outra caipirinha com o restante do
açúcar e do limão que ficou no copo. Onofre bebeu a cachaça e foi ao sofá
sentar-se. Beatriz encheu o copo do pai de cachaça até o limite e levou até
ele. Ao chegar próxima do pai, notou os olhos vermelhos, lacrimejantes e um
choro contido no tremor do queixo. Ela tentou acalmá-lo.
— Pai, eu o amo. Amo muito, agora amo muito mais
porque posso amá-lo como escolher amar. Sou livre para amá-lo e satisfazê-lo
como amiga, como filha e como mulher...
— Cale-se Beatriz. Este assunto não é uma das
suas brincadeiras inconseqüentes.
— Beatriz lhe entrega o copo com a segunda dose
da bebida. Onofre da outro gole, dessa vez um grande gole que o entorpece.
Arrancando a parte superior do biquíne, Beatriz
encosta um dos seios na boca do pai e ordena:
— Chupe-o. Eu vi o senhor na bananeira e sei que
o senhor viu o Brutos me lambendo. Eu sou uma mulher e você um homem. Nada mais
impor... ah! Pai...
Onofre enche a boca com o seio da filha, ela
arranca o biquíne e puxa o membro dele para fora da cueca. Onofre sentado no
sofá observa a filha ajoelhar-se em seu colo de frente para ele enquanto
segurava o membro rígido. Ele enlouqueceu, se mostrou alucinado, o animal havia
suplantado o racional. Milhares de pensamentos não lhe impediram de arrancar
apressado a cueca. Estava louco, chupou o seio da menina-moça com furor.
Retirou o sexo da mão adolescente-mulher e terminou de arrancar o biquíne.
Deitou a filha no sofá posicionando-a
para pôr a cabeça por entre as pernas da jovem e lambeu seu sexo
prazerosamente. Levando a filha aos sonhados orgasmos múltiplos. Enquanto
Beatriz se deliciava por ser chupada, Onofre apalpava-lhe os seios. Um choro
convulsivo de prazer explodiu da menina que o arranhou quando o puxou para
sobre si. Agora, Onofre mataria para possui-la. Era tarde para arrependimentos,
o Eros vencera definitivamente o amor paternal. Onofre se deitou ao lado de
Beatriz e beijou-a com euforia. Alucinado e um tanto violento, posicionou
Beatriz de costas sobre o sofá, arrumou para que as pernas da filha ficassem
semiabertas e a penetrou firmemente por trás. Estocou-a repetidas vezes,
acelerando a cada estocada, vez e mais vezes até que o casal de amantes
explodisse novamente na volúpia do êxtase. Ao gozar, Onofre chorou. Beatriz
tentou tranqüilizá-lo. Contou-lhe sobre a sua falsa paternidade. Contumaz, não
deixou que Onofre sequer sentisse maiores culpas. Ela assumiu totalmente o ato
da sedução. Porém ao conversarem posteriormente e com calma, depois de Beatriz
contar os pormenores do que ouvira a mãe falar, soube que, quando da lua de mel
em salvador, Poliana já estava grávida, mas agora era tarde demais para
arrependimentos. À tardinha, pouco antes de serem encontrados, repetiram na
cama, e com calma, a explosiva aventura sexual, mesmo já tendo consciência de
serem pai e filha... Em São Paulo, via advogado, Apolônio subornou delegados
com quantias substanciais, e todos os processo foram arquivado. Matoso e José
foram recompensado com alguns excelentes barcos pesqueiros, e hoje são sócios
num rico empreendimento pesqueiro. Poliana se casou com Malaquias, e depois
devolveu o controle das ações a Onofre, Ela vive feliz com Malaquias um
milionário Artista Plástico. E é hoje proprietária do jornal onde trabalhava,
além de receber uma gorda mesada. Apolônio se casou com a viúva de Alfredo
Salim e assumiu o cargo de presidente do holding além de receber um grande lote
de ações como bonificação pelo excelente trabalho. Onofre, após ser perdoado
pelo Pastor, construiu uma Igreja em agradecimento. Casou-se novamente, desta
vez com uma jovem de dezessete anos, que no momento está gestante. Paira uma
dúvida com relação à paternidade da criança, mas, acredito ser fruto de más
línguas. Beatriz se casou e é uma distinta jovem senhora que mora numa ilha
presenteada pelo pai... Ah! A velha mãe de Onofre até hoje não soube do
desaparecimento do filho. Acreditava que Onofre estaria cumprindo a mais uma
das loucas extravagâncias que Beatriz costumava pedir-lhe. O cadáver. Bem! Quem
é que iria se lembrar do defunto? Ainda está enterrado em cova rasa, ou, há
essa hora já fora devorado por algum tatu. Sei lá!
Fim

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