quarta-feira, 26 de março de 2025

A vizinha.

 


 

O dia fora terrivelmente cansativo. Eu cheguei a minha casa um bagaço. Joguei-me na cama do jeito que estava, nem sequer arranquei os sapatos... Pouco mais tarde levantei, andei até a cozinha, coloquei o pó de café no filtro de papel, enchi o recipiente da cafeteira de água no máximo aceitável e liguei a máquina. Coloquei duas fatias de pão na torradeira, retirei da geladeira uma vasilha de plástico com queijo para o sanduíche previamente cortado na padaria, destampei-a para que o queijo mais rápido chegasse à temperatura ambiente. E esperei que a cafeteira fizesse seu trabalho. Caminhei até a sala, sentei no sofá, liguei a TV num desses canais de tecnologia e assisti a mais um comercial da Inteligência Artificial. De agora por diante nossa vida será mais fácil, bem mais fácil, é o que prometem. Nem estão pensando se realmente nós necessitaremos deste avanço tecnológico. Será mais um complemento para os aplicativos de meu celular que, para ser indispensável, só faltaria fazer ligações para o qual deveriam ser sua utilidade básica, mas não é.

Meu celular vibrou ainda no bolso da camisa. Saquei e olhei-o. Havia foto de uma asiática, num filmete, a simular uma masturbação enquanto me convidava para fazer sexo sem compromisso.

A torradeira avisou que o pão estava pronto, porém, não fui à cozinha de imediato, e fiquei observando a mulher oriental se contorcer de prazer. O que houve com o mundo? — Pensei — será que estamos sendo dominados por nossa própria ganância e tecnologia?

A cafeteira começou a fazer barulho de borbulhamento indicando que o café ficara pronto. Levantei para ir pegar o café e fazer um misto, porém alguém bateu na porta. Era a vizinha do andar de cima que já entrou me questionando:

— Gostou do filmete que lhe mandei pelo WhatsApp?

— Qual filme? — indaguei. Não queria criar nenhum mau entendido, afinal, a vizinha é casada.

— O da Japonesa...   

— Sim, vi. Excitante! — Ela concluiu:

— Você sabe que no Japão, quando uma mulher casada sente atração sexual por alguém, de quem gosta muito, ela pede para uma amiga solteira que faça amor com o fruto de seu desejo?

— Não. Não sabia. — Respondi.  

A vizinha, casada, caminhou em minha direção e colocando a mão lá. Sim. Lá mesmo. Onde você imaginou. Deu um leve aperto e disse;

— Só que eu não sou japonesa...

(...)

O despertador tocou... Acordei ainda com a roupa de ontem, todo melado, corri para me banhar ou pegaria o engarrafamento na Paralela e chegaria atrasado. Após tomar café e mudar a roupa saí apressado. Ao entrar no elevador a vizinha do sonho me perguntou seria:

— Você viu o recado que lhe enviei pelo WhatsApp...

Respondi com um sorriso:

— Não...

Ela continuou séria até o elevador chegar à garagem e saiu em direção ao próprio carro. Eu abri o WhatsApp. Estava escrito:

“Favor comparecer a reunião de condomínio. Temos que discutir com urgência a necessidade de fazer uma taxa extra... Por favor, não falte!”

 

Salvador, Bahia, 06/04/2023 

           

sexta-feira, 14 de março de 2025

Nicodemos e a separação judicial.



 Meu nome é Nicolau Demogenes dos Reis. Os amigos me chamam pelo apelido  de Nicodemos. O que vou contar aconteceu quando retornava da Sexta Vara de Família, pois, havia acabado de assinar minha separação judicial.

Não sei porque, mas resolvi tomar o maior porre de minha vida. Então, parei em um boteco próximo a minha residência e bebi todas as cervejas que tinha direito.  Saí do bar completamente bêbado, tentando a todo o custo conter uma inimaginável vontade de urinar. Como não conseguia encaixar a chave para abrir a porta do carro, larguei-o na porta do boteco e caminhei, pé ante pé, até o condomínio onde moro, segurando a todo o custo o mijo. O que me ocasionou uma dor infernal na bexiga, afora o desconforto da tontura peculiar aos bêbados.

A muito custo, consegui abrir o portão que dá acesso ao edifício e continuei andando, devagar, até chegar aos primeiros degraus da escada de aceso. Quando parei para tomar fôlego e subir os degraus, a dor no baixo ventre triplicou levando-me a sentar. Senti um violento mal-estar. Tudo começou a girar e fui dar de cara com um velho barbudo que me perguntou com sua voz retumbante e de timbre grave:

— Filho! Não nos reconheceis?

— Pais, sois Vós? Minhas vistas estão embaçadas...

— Somos, filho... — Ab initio o enviamos para esse exílio. E viemos saber se mudaste seu comportamento, se conseguiste vencer sua rebeldia.

— Sim, Pais . Mudei muito. Quando Vós me exilastes neste insignificante planeta revoltei-me. Agora, porém, estou feliz por viver aqui. Os seres que pusestes para dominar este planetóide são maravilhosamente desvairados. Eles poluem as águas que bebem, derrubam às arvores que purificam o ar, além  de envenenarem  seus próprios alimentos. E agora, estão brincando com o cerne da vida... Eles  se matam por motivos fúteis. Destroem Vossas obras. Alguns, impõem guerras por puro lucro ou pela diferença na maneira que O louvam. Outros, pela ilusão do poder. E os demais assistem impassíveis à fome, à miséria,  ao extermínio crianças pela fome e pela violência. No entanto, acreditem, Pais! Eles choram e se sensibilizam ao assistirem meros filmes de ficção. Desejam a morte de quem lhes rouba um pão, mas, escolhem sempre aos mesmos governantes corruptos, dando-lhes  poder, para que lhes roubem bilhões. Por certo, levarei mais trilhares de anos para entendê-los. Mesmo assim, Pais. Eu os amo...

— Do que mais se encantaste entre minhas obras, filho?

— Da alma feminina, Pais! Quero entender a insanidade dos sentimentos femininos. Sentimentos esses, que superam a todas as lógicas.

— Você está aqui ab ovo. Seduziu Eva. E até hoje não compreende como são as mulheres, filho?  

— Conheci bilhares de mulheres, Pais.  Mas, compreendê-las? Não... Não fui capaz. Quando Vós criastes às mulheres para serem belas, misteriosas, sensuais e desejosas de amor e aventuras, imaginei que seriam os mais felizes dos seres. Logo que as vi aprendi a desejá-las. Porém, quanto mais mulheres conhecia. Menos às compreendia. No princípio, o que me atraia nelas era a beleza e formosura. Eu desejava a todas, de preferência, as mais belas. Acreditava que fazendo uso do meu poder de sedução e da minha capacidade em saciá-las sexualmente, deixá-las-ia totalmente felizes. Deliciava-me a cada centímetro de pele, a cada som de gozo, a cada lágrima derramada de prazer e cada suspiro de paixão. Mas, após o coito, só observava melancolia nos olhos delas. Com isso, penalizei-me e atendendo aos anseios delas tomei uma decisão. Optei por ter um amor ético ao invés de estético. Larguei de lado meu hedonismo para me casar.

— Conte-nos o que aconteceu, filho?

— Para que pudesse assumir este novo tipo de sentimento, deixei-me apaixonar por apenas uma delas... Pais!, do que estão rindo?

— De nada, Filho. Conclua sua história.

— Como estava a Vós contando, casei-me para atender ao que ela pedira. Jurei no altar em Vosso nome que de tudo faria para torná-la feliz. A princípio, julgava que meu ganho era suficiente. No entanto, em pouco tempo, sem que nada tivesse mudado, o que eu embolsava passou a ser considerado por ela como muito pouco. Meu desempenho sexual, que antes ela maravilhava-se, tornou-se um: "dá pro gasto". Nosso lar que no início ela chamava de ninho, transformara-se em um “apertamentinho”. Eu não era mais seu homem, era apenas um marido. Ela vivia reclamando. Então, quis saber o que lhe faltava para ser feliz. Ela respondeu-me assim:

            — “Você é um acomodado! Só quer me usar! Olhe! Veja às minhas roupas!? Todas surradas. Não tenho sequer um colar para combinar com meus novos brincos. Você nunca me trouxe um buquê de flores.  Você é pão-duro...”

— Daí, Pais. Mudei de emprego e passei a trabalhar dobrado. Tudo o que ela pedia e o que não pedia eu lhe comprava. Mesmo assim, a danada continuava choramingando. Continuava a se lamuriar. E novamente lhe perguntei:

— Diga-me, mulher? O que a torna tão infeliz? E ela me disse:

— “Tenho lindos vestidos, maravilhosas jóias, mas você não me leva a lugar nenhum. De que adianta possuir tantas roupas, tantas jóias, se você, quando chega do trabalho, senta a bunda nesse sofá e fica assistindo à televisão. No entanto, na hora de dormir, você nunca está cansado para querer me usar. Você me trata como uma prostituta”.

— Então pensei, Pais — É. Ela tem razão. Hei de conseguir contentá-la. Daí por diante, mesmo após um dia de trabalho fatigante, arrumava-me e saíamos. E isso acontecia quase todas as noites. Nos fins de semana, quase sempre, viajávamos. Mas ela continuava a resmungar. Era sempre o mesmo mal-humor. Então, mais uma vez questionei-a:

    Por que se lamenta tanto, mulher? Do que realmente careces?

Ela, olhando em meus olhos, respondeu-me:

“— Sou para você como um objeto que se pode comprar para ser mostrada com um bibelô. Quando saímos, seus ciúmes me impedem de fazer amigos. Sou para você apenas um objeto. Quer saber mesmo o que desejo? Desejo liberdade!”

— Pais,  esta foi difícil de cumprir. Quando me falou aquilo, cheguei a sentir um calor na testa. Mas, se era a liberdade que finalmente traria felicidade para ela, então, concordei. Dei, também, a liberdade pedida. Empreguei-a com salário equivalente ao meu. E dei toda liberdade que poderia dar. Contudo, liberdade dela era um tanto desigual. O dinheiro que ela ganhava servia apenas para gastar com futilidades, e a  liberdade exigida, era para arranjar amantes. Soube através de amigos comuns, que a “distinta” trepava mais que chuchu-em-cerca. Quase não sobrava um pouquinho para mim. Mesmo assim, mesmo tendo atendido a tudo que pedira, mesmo me chifrando a torto e a direito, a mulher vivia reclamando da sorte. Perguntei-lhe novamente o que faltava. Ela me respondeu em prantos:

“— Você não sente nada por mim! Você é um corno conformado! Nem ciúmes de mim você sente mais! Você me sufoca... Vive me enchendo de flores e presentes. Eu nem penso numa coisa e você já compra. Você é um CHATO! Vê se encontra uma amante e larga de meu pé. Seja um homem seu bosta!".

— E assim fiz, Pais. Olhei-me no espelho cuidadosamente. A única diferença que notei em mim, foi este par de chifres na testa e esta cor avermelhada de vergonha. No mais, eu era o mesmo. Então partir para novas conquistas, o que não foi difícil. Para as outras mulheres eu continuava sendo um sedutor. Voltei a ser como fora antes. Tinha novamente várias parceiras e todas me elogiavam. Acreditei finalmente que conseguira fazê-la feliz. — Mas não foi bem isso que aconteceu. Ela continuava a de sempre. Um dia, quando eu retornava do trabalho, ela me chamou, olhou para mim com muita raiva e disse-me:

“— Você é "um galinha"! Um descarado! Roubou os melhores anos de minha vida. EU ODEIO VOCÊ ! VOU PROCURAR UM ADVOGADO !” ... Entendeu, Pais?

— Filho. Vamos lhe ensinar como deves tratar as fêmeas...

Foi então que dona Cremilda me acordou.

— Acorda seu Nicolau! O senhor dormindo na escada todo mijado! Levante-se seu Nicolau... O que é que os vizinhos vão pensar!? Vem... Eu ajudo o senhor. Vem tomar um banho. Eu ajudo a subir...

 

 

terça-feira, 11 de março de 2025

Hoje meu Erê acordou retado...

 

 


 

Tem dias que é assim...

Pra começar a pasta caiu da escova na pia, e era o último tubo da pasta e na última espremida do tubo, hoje de plástico, não como era antes que dava para vir engrolando o tubo até a boca da embalagem. Terminei catando um restinho da pasta que caíra na pia. Depois, fui me banhar e após  estar todo ensaboado faltou energia elétrica... A água veio gelada, mas gelada de encolher os coisas. Só tirei o sabão e me enxuguei na toalha que, de sacanagem, já estava molhada.

Tem dias que é assim o Erê resolve nos sacanear e não tem "paI-nosso-que-está-no-céu" ou "avé-Maria" que ajude. Pra que não sabe o que é um Erê, já já eu explico. Dizem que os Vikings, por desconhecimento dos erês e do candomblé, inventaram que o erê era um Deus brincalhão chamado Loki. Pura invenção do povo do gelo. Erê é aquele espírito moleque que faz você sentir coceira no nariz quando está com as mãos cheias de graxa ou faz você esquecer a chave na ignição do carro e fechar a porta travando-a estando atrasadíssimo... É o que derruba a bola do sorvete no chão antes da primeira lambida. Pois é. E saiba: todo mundo tem o seu.  

Eu me sentei para beber o café, queimei o bico, ensopei o pão com manteiga e quando ia morder o pão, o pão caiu, no chão, com o lado da manteiga virada pra baixo. 

Larguei o café lá e vim para o notebook começar uma pesquisa. O fornecedor do wi fi saíra do ar junto com a energia elétrica. Voltei pra cama. Vou esperar o humor de meu Erê melhoras ou vou ter uma caganeira daquelas longe de um sanitário e no lugar mais inconveniente possível.